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Traições e vinganças literárias

Fiquei tão chateada com o Claudio Magris que arrumei o Danúbio por uns tempos (e logo agora que tenho um exemplar mesmo meu para sublinhar, anotar, estragar) e decidi em conformidade: em vez de me apaixonar pelo Magris, vou apaixonar-me pelo cão dele (parece que se chama Jackson) — é mais fácil chegar a consenso sobre ossos.  Nota: o Rui e a Tamina (foram eles que me ofereceram o livro) sabem do assunto e aconselharam-me a desenhar insultos obscenos na páginas em que Magris diz mal de Cioran. Vamos nisso!

Uma vida sem achaques

Nas páginas 482 e 483 de Danúbio , Magris zurze em Cioran de uma forma tão violenta que tive de ler três vezes os parágrafos para conseguir registar a informação. É das coisas mais tristes que há, começar a gostar de um escritor que desanca assim em alguém que admiramos. Parece uma traição, mas contra a qual nem sequer me posso enfurecer porque não é directa, quer dizer, só existe se me meter entre os dois, fora isso é um ataque vulgar. Magris fala de Cioran como um tipo que forjou uns pensamentos de escapatória, uma negação absoluta que não passa de um expediente cómodo para resolver todos os problemas no conforto da sua mansarda em Paris. Soa tudo tão vil e afastado da minha perspectiva que não consigo nem perceber nem, muito menos, aceitar. E o que é mais estranho é que nas páginas dedicadas à Panónia, aos bogomilos, ao que é ser magiar, reconheci tantas coisas que leio nas pequenas anotações de Cioran.   Entretanto, talvez para me poupar a penosos exercícios intelectuais, o corpo

As lágrimas são mais salgadas

A grande literatura húngara não é a que celebra o esplendor de uma Hungria heróica, mas a que denuncia a miséria e as sombras do destino húngaro. O próprio Petőfi, cantor da pátria e do Deus dos magiares, fustiga o egoísmo inerte dos nobres e a indolência da nação. Endre Ady canta a «tétrica terra magiar», define-se como «tristemente magiar» e proclama que «os Messias magiares são mil vezes Messias», porque no seu país as lágrimas são mais salgadas e eles morrem sem nada ter redimido. Quem nasce na Hungria paga um tributo à vida, porque a Hungria — diz-nos outro poema — é um fétido lago da morte; os Húngaros desgastando-se são «os bufões do mundo» e o poeta carrega dentro de si, dorido, a planície melancólica. A literatura magiar é uma vasta antologia dessas feridas, desta sensação de abandono que induz os Húngaros a sentirem-se como diz uma poesia de Attila József, «sentados na borda do universo». László Németh, o chefe de fila dos escritores popularizantes, falou de uma condição de «
Viena não era infame como a representava Karl Kraus, e provavelmente a Roma Antiga não era como a pintava Juvenal, mas sem a exasperação furiosa de Kraus ou de Juvenal não teriam sido desveladas, como pelo violento rasgar de um véu, certas expressões extremas, certas deformações anormais que o rosto do Homem pode assumir. Danúbio, de Claudio Magris. Tradução de Miguel Serras Pereira. Quetzal.

Às portas da Ásia?

O acaso pregou-me outra partida: em poucas semanas, Danúbio é o terceiro livro que fala de Cioran. Na página 314, lá surge a referência ao filósofo romeno — quase imperceptível, quase piscadela de olho. Como tudo que Magris escreve, é inteligência musical.  «Esta paisagem magiar, forte e ao mesmo tempo indolente, seria já o Oriente, memória ainda fresca das estepes asiáticas, dos Huinos e Pechenegues ou do Crescente; Cioran celebra a bacia danubiana enquanto amálgama de povos vitais e obscuros, ignorantes da História, ou seja, das periodizações ideológicas inventadas pela historiografia ocidental, seio e linfa de civilização ainda não desvitalizada, aos seus olhos, pelo nacionalismo ou pelo progresso.»

Andar com Claudio Magris

Um dia havia de chegar ao Claudio Magris. Da última vez que fui à biblioteca, trouxe  um livrinho de textos instantâneos  que é mais ou menos como combinar um café com um desconhecido numa cidade estranha a ver no que dá. Na página 25, percebi que ele é fã de Naruse.