N’ O Mercador de Veneza há uma cena que corresponde mais ou menos ao desenvolvimento teatral do «queria, já não quer» dos empregados de café espertalhões. Talvez não seja a situação mais moderna, quer dizer clássica, quer dizer moderna, da agitadíssima peça, mas mostra bem, por comparação negativa, como a literatura contemporânea se desliga constantemente da possibilidade de humor linguístico da realidade mais comezinha, e prefere meter-se em enfados de gabinete sem brilho nem chiste. Mas vamos então à cena (na melodiosa tradução de Daniel Jonas ): em Belmonte, Lancelote informa Jessica que, por mais voltas que dê à sua vida, está tramada. Nisto, entra Lorenzo. Jessica: Vou dizer ao meu marido o que me disseste, Lancelote: aqui vem ele. Lorenzo: Não tarda vou ficar com ciúmes, Lancelote, se continuas a andar com a minha mulher por sítios recônditos. Jessica: Não, não tendes de temer por nós, Lorenzo: Lancelote e eu estamos desavindos. Diz-me a s...
de Cristina Fernandes e Rui Manuel Amaral