Todos me dizem que No Quarto de Vanda é muito duro. Como se essa constatação fosse uma muralha. Percebo que as circunstâncias (a droga, a pobreza, a destruição do bairro) são extremas, mas o filme tem também uma doçura, ora triste, ora cómica, que se sobrepõe a esse tom áspero. Talvez não se dê por ela da primeira vez, talvez seja necessário dar tempo ao tempo. A minha relação com o filme, confesso, é um bocado esquisita, quer dizer, não o respeito como um objecto íntegro (o que vai muito contra as minhas próprias regras). Às vezes vejo apenas uma cena, ouço uma conversa (os iogurtes de morango, o mês de maio,...) alguns sons (pássaros, a televisão ao longe, um cão,...), como se fosse um filme de fragmentos. Mas o enquadramento constante é o apogeu e o fim da adolescência, esses anos grandiosos em que temos um território que nos pertence por completo: o nosso quarto é o nosso domínio, onde fazemos e dizemos o que queremos e estamo-nos nas tintas para o resto do mundo. Podem ser ...
de Cristina Fernandes e Rui Manuel Amaral