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Urna eleitoral

(...) No Distrito de Santarém, moro numa pequena aldeia onde há pessoas que vivem do Rendimento Social de Inserção, um subsídio que o Chega já disse várias vezes querer diminuir drasticamente e, talvez mesmo, acabar com ele. Pois há pessoas nessas condições que declararam ir votar no Chega, num aparente suicídio financeiro através da urna eleitoral. (...) Crónica de Pedro Tadeu no DN.

«Tu fazes como os outros, fazes o que tens a fazer.»

«sentada numa paragem de autocarro em Oeiras, disse ao microfone da SIC-N que tinha votado no partido de extrema-direita porque quer para as filhas, netos e bisnetas o que havia antigamente, antes do 25 de Abril. Perguntada pela jornalista sobre se nesse caso achava que o seu voto vai melhorar a vida democrática do país, a entrevistada diz que sim e que espera melhoras na habitação e saúde.» Também vi esta peça que a Fernanda Câncio refere no seu texto. A mulher estava contente porque tinha votado em quem ganhou (na verdade, em quem ficou em terceiro lugar).  Nota: é o segundo link para o DN, no dia em que a Global Media avança com um despedimento colectivo.

Para armar sarrabulho lá no Parlamento

Não encontrámos jovens que assumissem ter votado Chega. Já mais velhos, bastantes. Paulo Guerreiro, 65 anos e Francisco Palma, 62, assumem-no. “Já votei PS e CDU, mas desta vez foi Chega. Ele (André Ventura) é frontal, diz as verdades”, diz Guerreiro, enquanto empilha as caixas dos sapatos que não vendeu na feira.  Por seu lado, Palma reconhece que “se soubesse que ia ter tantos votos, não tinha votado Chega”. “Não quero que ganhe, é só para armar sarrabulho lá no Parlamento. Estamos saturados de serem sempre os mesmos e não resolverem os nossos problemas. É preciso alguém para agitar”, frisa, segurando numa caixa com pés de agrião para plantar. Sugere mesmo que o PSD “dê uma oportunidade ao Chega no Governo, para ver o que fazem”.  Da reportagem de Valentina Marcelino no DN.

Não se pode dizer assim muito claramente

Num café em Beja, uma jornalista pergunta a duas mulheres se não estão admiradas com a votação do distrito . Dizem que não, que toda a gente estava à espera.  A jornalista pergunta porque é que isto aconteceu. Uma refere a insegurança por causa da imigração. A outra diz: — Por muitos motivos, alguns não se pode dizer assim muito claramente.

Eleições legislativas

Os jornalistas teimam em alterar o sentido destas eleições, referem-se sempre à escolha do primeiro-ministro e do governo, mas eu nunca voto no primeiro-ministro nem no governo, voto para eleger quem me represente na Assembleia da República. E só lamento que tanta gente que precisa de quem lute pelos seus direitos encolha os ombros e diga que não liga à política. — Não é a política a forma de lidarmos uns com os outros?  Outra coisa que me chateia é a pergunta que se tornou lugar comum: a quem é que comprávamos um carro em segunda mão? Nem quero saber do carro, nem tudo se resume a uma relação de compra e venda. Sei bem é com quem partilhava a mesa e com quem nem um café tomava.
Eleições de 1975. Arquivo Diário de Notícias.

I can't afford a carriage

Os simulacros construídos para estas eleições foram muito sofisticados. Conseguiram lançar tantas dúvidas a António Costa que o puseram a saltitar daqui para acolá. E convenceram Rui Rio (e a sua equipa tacanha e bajuladora) da inevitabilidade da vitória. O único problema é que um simulacro é uma visão sem realidade . O discurso final de Rui Rio faz lembrar o HAL 9000 a cantar Daisy Bell .
Começo a ler “Diário de um Zé-Ninguém” no dia em que arranca a campanha eleitoral e esse acaso estabelece uma relação política inesperada entre as duas acções: talvez este Zé-Ninguém seja o tipo indeciso que vota ao deus-dará? Talvez seja este homem palerma e cómico e triste que determina, sem disso se aperceber, o nosso futuro colectivo? Estamos tramados — e condenados a uma farsa infinita.

É hoje!

O noticiário da rádio abre aos gritos. A primeira página do jornal treme em convulsões. Febre e suores frios nos canais de televisão. É hoje, hoje, hoje! É hoje o grande espectáculo! É hoje o grande combate! É hoje a grande final! Senhoras e senhores, à vossa esquerda, o campeão em título, o leão do Rato, o devorador de comunistas que devoram criancinhas, o homem sem medo, o colosso do punho de ferro. À vossa direita, vejam bem: o cavaleiro sem cabeça, o filho do acaso, o homem invisível, o lidador do vazio, o gladiador que se faz de morto, a grande nuvem. É hoje que tudo se decide. Frente a frente, olhos nos olhos. Quem for ao tapete, está perdido. Se é sensível ao sangue, não se aflija: logo a seguir ao grande combate e aos anúncios publicitários, assista às pequenas lutas de galos entre os nossos comentadores residentes. Eles explicam-lhe tudo o que aconteceu e não aconteceu, entre beliscões benignos e pancadinhas inofensivas, sem fazer feridas ou deixar marcas. É hoje, é hoje, é ho

Bibelôs

Afinal, o governo não estava cansado nem desgastado . Afinal, o governo estava cheio de tesão e com vontade de ir a eleições. Nos ressequidos estúdios televisivos, os comentadores explodem de euforia. Da miséria de factos passamos para o luxo de acontecimentos. Há petróleo a correr novamente nas redacções dos jornais. Os comentadores babam-se agora com a decadência da oposição, com a queda e putrefacção de uma certa direita, com a ascensão rápida de outra. Repete-se mil vezes que a democracia está em crise. O fim sem remédio do regime parece pertencer à ordem das evidências. E tudo, esquerda, direita, democracia, eleições, estado, povo, trabalho, direito, liberdade, a nossa vida, tudo, tudo é reduzido à dimensão de bibelôs de plástico com que os comentadores decoram a indigência do seu pensamento.

Bestiário

Dois dias após as eleições, os candidatos continuam a sorrir nos outdoors e cartazes. Mas já não é bem um sorriso. É qualquer coisa impossível de definir. No Porto, nenhum candidato foi um verdadeiro vencedor e nenhum saiu propriamente derrotado. Parecem giocondas, nem felizes, nem tristes. Centenas de giocondas espalhadas pelas ruas e esquinas da cidade. Um bestiário branco e monótono.

A boa vizinhança

Não tenho tempo nem coragem para escrever sobre os resultados das eleições presidenciais, mas pelo menos podemos continuar a encarar bem os nossos vizinhos; eu no Bonfim mesmo ao lado de Campanhã, e o Rui em Paranhos. Já é qualquer coisa.

Avisos

Mais um longo e cinzento dia de Janeiro. A chuva parece mais ameaçadora do que nunca. Não é só a chuva e os contínuos avisos meteorológicos. Há mais qualquer coisa. Se acreditasse em Deus, talvez pensasse que era chegado o momento em que as forças sobrenaturais irrompem nítida e cruelmente pela realidade dentro. Como se existisse uma ligação misteriosa entre o estado do tempo e as notícias terríveis dos últimos dias. Lembra a atmosfera que Joseph Roth recria na Marcha de Radetzky . As sombras que antecedem a Primeira Guerra.

Dia de eleições

O meu filho votou hoje pela primeira vez. No caminho para a assembleia de voto, lembrei-me dos últimos versos do poema «A alegria da maternidade», de Jenny Mastoráki, traduzido pelo Manuel Resende: A minha filha nasceu como todos os bebés. Ao que parece vai deitar fortes pernas para correr rápida nas manifestações. Ao meu filho, que nunca faltem as pernas para correr nas manifestações, as mãos para votar e a cabeça para pensar.

Depois verá-se

Estas eleições legislativas têm uma particularidade interessante: aos indecisos habituais que nem sabem se vão votar nem em quem, juntam-se agora os indecisos calculistas que seguem as sondagens diárias. São parecidos com os tipos que jogam no placard mas têm mais instrução.