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Robert Walser vai ao cinema e diverte-se à grande

Finalmente acabei o artigo sobre Robert Walser para o Manual de Leitura do TNSJ . Demorei mais tempo a corrigir do que a escrever. Talvez por isso consegui que a forma se fosse ajustando às ideias (lição de Huillet e Straub), dando origem a um texto saltitão, cheio de acrobacias superficiais. Para comemorar o feito, vou fazer um rösti de batata .

Podem acordar esse senhor?

Ontem à noite, a meio do filme, alguém no público ressonava com um ronco bestial. Devia ser um sonho feliz, aquele que o homem estava a ver com os olhos da alma . Numa sequência longa sem som (um plano dos Lumière de 50 segundos) , o ronco transformou-se na banda sonora. Do outro lado da sala, outro espectador atirou: «Podem, por favor, acordar esse senhor?» Não está certo interromper o sonho de um homem.

Série C

Deve ser uma desforra. Bastou-me formular o pensamento da impossibilidade de adaptar os textos de Walser ao cinema, para não me faltarem ideias divertidas  para filmezinhos walserianos.

Walser e o Cinema (uma aproximação breve e provisória)

Tenho de escrever um texto sobre as relações – ou possibilidades de relações – entre Robert Walser e o cinema. A minha primeira frase foi assertiva: (pela sua exuberância e quebra de regras) os textos de Walser não são propícios a adaptações; quanto às idas aos cinemas-cabaret na Berlim imoral, alinho. Branca de Neve abre e logo a seguir fecha o único caminho que consigo ver (em termos de estrelas curriculares, é um dos melhores filmes falhados que conheço).  Mas ontem de manhã, na praia, tive uma ideia para um filme (curto, curtíssimo) que envolve Walser.  Hoje voltei à mesma praia e fechei a planificação – até vi o genérico. Ficou tudo azul e verde diante dos meus olhos . Oh!

Insólito bestiário

Leio no jornal que a Casa do Cinema Manoel de Oliveira inaugura por estes dias uma exposição composta por «um insólito bestiário de bonecos, arte sacra e outra quinquilharia», pertencente a Luis Miguel Cintra. Que extraordinária definição de teatro e cinema: um insólito bestiário de bonecos, arte sacra e outra quinquilharia. Devia constar das respectivas entradas nos dicionários e enciclopédias.

O cinema é uma invenção sem futuro

À célebre frase atribuída a Louis Lumière ( provavelmente apócrifa, segundo Georges Sadoul esta frase teria sido dita pelo pai dos Lumière para livrar-se de Méliès que queria comprar a patente do cinematógrafo... ), podemos contrapor que o cinema é uma invenção com passado. E que passado! ( Aqui entra o tigre. )

Episódio psicótico breve

Não sei o que aconteceu, perdi-me na sessão e vi — com extrema definição — tantas ligações em Ana .  Tati no número do circo (duas vezes); Dreyer quando Ana está junto à cama de Alexandre doente e o pároco de Ambricourt na sua deambulação final; Paradjanov nos tapetes, nos pimentos (contrabandeados de Espanha), e na cena dos pássaros; Staroye i Novoye nos campos;  Las Hurdes em certas cerimónias; John Ford na entrega dos ovos junto à cancela e no plano de Octávio encostado ao umbral da porta da igreja de Algosinho e, já fora, qualquer coisa de Straub e Huillet nos homens a comer morangos; Renoir na cena do banho no riacho — e de tal forma que julguei que os gansos também eram de Le Déjeuner sur l'Herbe ...  (Peregrinação Exemplar) O filme de António Reis e Margarida Cordeiro também é uma aula (ou uma história?) do cinema. Devia ser projectado regularmente por todo o país e nós íamos pelos campos a Bragança ou a Moura ou a Aljustrel ou a onde calhasse só para o ver (...

A hipótese da falha tectónica

Talvez a grande força do cinema não esteja em saber contar uma história, como tantos reinvindicam, mas em conseguir instaurar uma fractura estrutural catastrófica. Afastar-se do território manso das narrativas e caminhar para zonas mais insólitas nem é tanto uma coisa do futuro mas de um passado muito antigo e esquecido. (E é por isso que alguns filmes parecem obras de bruxas.)
Já não vale a pena fazermos o cinema da esperança socialista. Da esperança capitalista. Já não vale a pena fazermos o cinema de uma justiça por vir, social, fiscal ou outra. O cinema do trabalho. Do mérito. O cinema das mulheres. Dos jovens. Dos portugueses. Dos malianos. Dos intelectuais. Dos senegaleses.  Já não vale a pena fazermos o cinema do medo. Da revolução. Da ditadura do proletariado. Da liberdade. Dos vossos fantasmas. Do amor. Já não vale a pena.  Já não vale a pena fazermos o cinema do cinema.  Já em nada acreditamos. Acreditamos. Que alegria: acreditamos: em nada.  Já em nada acreditamos. Já não vale a pena fazermos o vosso cinema. Já não vale a pena. Temos de fazer o cinema do conhecimento disso: de não valer a pena.  Que o cinema vá para o inferno, é o único cinema.  Que o mundo vá para o inferno, que vá para o inferno, é a única política. O Camião.  Textos de Apresentação. Primeiro Projecto.  Marguerite Duras (tradução revista).

Aki Kaurismäki e os cães

1. Chateado porque não aparece no diagrama do cinema transcendental de Paul Schrader (em contrapartida Andy Warhol está no eixo horizontal à direita e à esquerda).  2. Prepara-se para abandonar o livro e ler aquela revista (?) sobre a Bica Portuguesa.  Os cães, vê-se pelo olhar, são verdadeiros modelos bressonianos. Ela chama-se Alma (diz na plaquinha).

Os assalariados vão ao cinema

Ontem depois da sessão de Kommunisten , fui levar o Rui a casa. Quando estávamos a chegar a Antero de Quental, comentámos que antes do cinema tínhamos arrumado a casa e feito sopa: o jantar já estava guiado. E aí percebi claramente que Jean-Marie Straub fez o filme para nós, pobres assalariados — para podermos lavar os olhos no pouco tempo que nos sobra.

O mar a agitar-se na tela

De repente, lembro-me do primeiro filme que vi (em 1919?) em Sibiu, no cinema «Appollo». Se não me engano, o filme chamava-se A Dama do Mar ( Doamna Mării ) (??) Recordo-me da perturbação que senti ao ver o mar a agitar-se na tela. Essa sensação, nunca a devia ter esquecido; e, no entanto, só me ocorreu hoje, quarenta e cinco anos depois! Emil Cioran, Cadernos 1957-1972  (fevereiro de 1966)
Os cartazes de Cidade Rabat ao longo da linha do metro abrem uma brecha na realidade. Às vezes, o cinema começa antes do cinema.

Selfie X

Quando começo a escrever sobre filmes, pareço polícia ou detective. Desconfio de tudo (eu incluída, pois claro); tento desvendar um crime ou, pelo menos, o mistério.

Utopia

(...) Apesar de não ser considerado um dissidente, Boris Barnet situava-se claramente fora do cinema soviético instituído. Os seus filmes eram demasiado inclassificáveis e, digamos, de uma natureza mais dionisíaca do que real socialista. Foi o que aconteceu com À Beira do Mar Azul , realizado em 1936. Ninguém compreendeu o filme, atacaram o argumento simples, fútil, emocional, uma realização demasiado feérica e pouco credível. Mas de que serve uma história num filme, se todo ele é ritmo? De que serve uma imagem frouxa da realidade, se temos à nossa frente um confronto íntimo com os homens, os seus sentimentos, a sua gravidade e a sua leveza, o maravilhoso desequilíbrio humano? A beleza e graça que passam pelos corpos e pelos planos (a «alegria física dos encontros», de que fala Bernard Eisenschitz ), deixou indiferente a crítica. E, no entanto, agora à distância, percebemos bem que esta pequena aventura numa ilha perdida ao Sul do Cáspio, em que os heróis afogam-se e renascem, chegam e...

Número zero

O livro é mais dos flops do que meu : eles é que tiveram, têm, a perseverança (uma espécie de fé?); o trabalho de desbastar os textos e dar-lhes um aspecto belo entre monólito e túnel (ainda por cima, o Luís caprichou num “C” que parece quase um zero — e o que eu gosto da palavra quase e do número zero ).  O último texto foi escrito há oito anos, mas parece-me que foi há oitenta tão distante me encontro dessa c. que se entusiasmava mais do que necessário com os filmes. É uma espécie de livro póstumo, mas também é verdade, como me explicou a Alexandra , que todos os livros são póstumos. Voilá, c' est fini — o negro fica-lhe bem. 

Masterclass de storytelling

Bárbara passou outra vez na televisão. Gravei. Vale a pena rever os filmes de Christian Petzold; o olhar vai-se desviando da história e encontramos imagens que pouco nos dizem sobre o que está a acontecer, mas que ficam a ressoar na cabeça para sempre. Por exemplo, as cenas na banheira: o pneu da bicicleta e o dinheiro embrulhado à prova de água. Ou no hotel, as raparigas com as pernas ao alto. Quando se deita fora o storytelling , o que fica é cinema. Se não me engano, no Party , de Manoel de Oliveira, Michel Piccoli diz qualquer coisa do género?