Fomos rever, após tantos anos, O Sabor da Cereja . Um aspecto que agora me parece estranhamente óbvio é a relação com A Divina Comédia , de Dante, e em particular com a primeira parte, Inferno . É impossível não comparar a topografia de O Sabor da Cereja com os negros vórtices dos nove círculos infernais. Os longos planos de Badii percorrendo os estradões sinuosos, secos e empoeirados dos subúrbios miseráveis de Teerão, lembram a viagem de Dante pelo Inferno. Os mesmos personagens perdidos e condenados a uma vida de eterno martírio, as máquinas a revolverem constantemente a terra como demónios cegos e obstinados, os caminhos intermináveis abertos sobre abismos, exactamente como no cone invertido do inferno dantesco. O próprio projecto de suicídio de Badii, que inclui um buraco aberto junto à base de uma cerejeira e a ajuda de alguém que o cubra com “vinte pás de terra”, remete para Dante. No primeiro grande diálogo do filme, Badii tenta convencer um jovem recruta a ajudá-lo, dizendo-