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Uma madeixa cor-de-rosa

Vinha da biblioteca, no 305, a ler a introdução de Catherine Grant ao livro Porque não houve grandes mulheres artistas? , de Linda Nochlin , quando reparei na mulher que se sentou no lugar lateral mesmo à minha frente. Era bonita, devia ter setenta e tal anos, estava de roupa ligeira, sapatilhas e tinha uma madeixa pintada de cor-de-rosa. Entre o livro e ela havia uma ligação, não de causa e efeito como determina a nossa pequena lógica, mas de possibilidade e libertação. É por causa deste livro e de outros semelhantes que esta mulher pode pintar uma madeixa cor-de-rosa. 

Agora é a hora da revolta

«Podemos amar uma cidade, podemos reconhecer as suas casas e ruas nas nossas mais remotas ou mais caras memórias; mas só na hora da revolta sentimos verdadeiramente a cidade como "nossa": nossa, por ser do eu e ao mesmo tempo dos "outros"; nossa, por ser campo de uma batalha que se escolheu e que a colectividade escolheu; nossa, por ser espaço circunscrito no qual o tempo histórico está suspenso e no qual cada acto vale por si só, nas suas consequências absolutamente imediatas. Apropriamo-nos de uma cidade fugindo ou avançando na alternância das investidas, muito mais do que brincando, quando crianças, nas suas ruas, ou passeando por elas mais tarde com uma rapariga. Na hora da revolta já não estamos sozinhos na cidade.»  Furio Jesi, «Spartakus - Simbologia da Revolta». Tradução de João Coles.  VS. Editor

Exercício teatral

Num debate com estudantes e comunistas sobre o panfleto em verso «O PCI aos jovens!» onde Pasolini ataca os estudantes-meninos do papá, um desses estudantes, o segundo da transcrição incluída em Entrevistas Corsárias , faz uma intervenção estupenda.  Começa por esclarecer que os estudantes não se vão enfurecer com Pasolini porque o poema foi desmentido pela história .  Depois aconselha Pasolini a conhecer melhor os jovens de quem fala, indo às barricadas ou lendo algumas linhas — claras e úteis — dos clássicos: Lenine, Marx, Engels.  Feitas as citações apropriadas, refere que em seguida têm de se levantar e ir embora porque são esperados na Apollon, uma fábrica ocupada. E saem.  Imagino tudo isto num palco com marcações bem definidas. Também me entretenho a tentar adivinhar o percurso deste jovem das barricadas de 1968 até agora. O corvo marxista deve saber se ainda está vivo, se continua a apreciar a clareza dos clássicos e por aí fora. O tom — não podia ser ou...

Correspondências misteriosas

O Oráculo Portátil de Baltasar Gracián lembra, pelo tom, o Tao Te King . Mas é possível que entre estes dois livrinhos haja analogias mais profundas, correspondências misteriosas. É uma ilusão da minha parte? Ou trata-se de uma impressão legítima? A verificar. Emil Cioran, Cadernos 1957-1972 

A seita dos tanguistas

O tango é uma espora com a qual o homem se fere a si mesmo, é uma dança de passo cauteloso e retorcido, gestual com os gestos da sedução animal que, dentro da própria dança, vai urdindo a sua teia com a qual manieta a mulher que quer escapar à sua influência. O verdadeiro tango dançado é um tango de garatuja, pernalta e corcunda, insistente e humilde, em que as calças são acordeões que se dobram e desdobram e por fim se encavalitam num passo requintado. Um inglês disse que era uma declaração de amor feita com os pés e alguém mais atrevido que «era fazer a dançar aquilo que os outros fazem deitados». Uma senhora inglesa, em contrapartida, ao ver dançar um tango perguntou se se tratava de uma seita religiosa. Interpretação do Tango,  de Ramón Gómez de la Serna. Tradução de Sofia Castro Rodrigues. VS editor. 2022.

Tango gregueríano (operação Ramón e um palito)

Não me saiu nada na raspadinha (o destino despreza sempre as boas intenções literárias, raisoparta), mas já desviei 21 euros para ajudar o querido Ramón a pagar à gráfica .