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Psychopathia criminalis

A câmara do Porto tem um plano para controlar a população de gaivotas e eliminar de imediato os indivíduos «psicopatas». Estou a citar o termo usado pelos especialistas e reproduzido nos jornais.  E como se identificam as «gaivotas psicopatas»? Pelo «comportamento agressivo e repetitivo». Em tempos, durante um surto psicótico que afectou muitas aves no Palatinado, e que custou à região terríveis devastações, Oskar Panizza propôs um método mais simples e benigno: «Recolhimento em espaços amenos, tratamento suave, banhos correctamente temperados, sossego e o conselho amigo de um ornitólogo.» Além de um pouco de hiosciamina ou de brometo de potássio .

Os pássaros

Leio no Jornal de Notícias que os estudantes da Faculdade de Letras do Porto andam assustados. Têm sido atacados por violentos bandos de gaivotas, que lhes roubam a comida e a paz de espírito. O jornal inclui os comentários impressionantes de alguns alunos: Quando nos sentamos no pátio, elas colocam-se em posição, a observar e à espera. Mas o problema é que, quando atacam, é sempre todas juntas. Luís Aguiar, 20 anos. Eu já vi a roubarem algumas vezes. E como são agressivas, as pessoas têm medo. Jéssica Magalhães, 21 anos. Não podemos comer em paz. Acredito que a faculdade saiba. Mas deviam fazer alguma coisa. Rafael Tavares, 19 anos. O problema não é só no pátio. Já chegamos a estar dentro do bar, e a ter gaivotas ao nosso lado. Para além de incomodar, não é nada higiénico. Lucas Frias, 20 anos.

Filhos

No ano passado, o casal de gaivotas que faz o ninho no telhado da frente, teve uma cria. Este ano, são três. Três pequenos demónios de penugem cinzenta, aos trambolhões por entre as telhas. Os pais, incansáveis e cheios de paciência, esfalfam-se para os alimentar. Não há pausas. As crias parecem continuamente esfomeadas. Seguindo o voo das gaivotas, lembro-me, de repente, do filme de Hirokazu Kore-eda, Ninguém Sabe . A duríssima história dos quatro irmãos pequenos abandonados pela mãe, aos trambolhões num pequeno apartamento de Tóquio. Sem água, sem luz, sem comida, sem mãe nem pai. Apenas asas.

Navio

Passa-se qualquer coisa no céu. Dezenas de gaivotas, aos gritos, pairam por cima dos telhados, em círculos nervosos, cheios de asas e olhos. Parecem em maior número do que é habitual. É como se, de repente, o mar tivesse invadido o bairro e um navio estivesse a passar na rua, em direcção à Lapa.

Ladrar aos pombos

O cão preso na varanda passa o dia a ladrar aos pombos e às gaivotas. Talvez o cão não se resigne com a ideia de que aquelas criaturas nasceram com asas e que consigam voar acima das varandas, acima dos telhados, para lá do horizonte. A ciência explica, mas sou como o cão.

Gaivotas na Normandia

Na costa normanda, a uma hora tão matinal, eu não precisava de ninguém. A presença das gaivotas incomodava-me: afugentei-as com pedradas. Ah, os seus gritos de uma estridência sobrenatural — compreendi que era justamente isso que me faltava, que só o sinistro podia apaziguar-me, e que foi para o encontrar que me levantei antes do dia. Emil Cioran, Do inconveniente de ter nascido.

Sombra

Já passaram cinco meses desde que estou em casa. Talvez mais. Perdi a conta ao tempo. A gaivota que nasceu no telhado em frente já tem o tamanho de um pato pequeno. Move-se de um lado para o outro, sobre as telhas, com a mesma destreza com que um tipo sóbrio caminha numa rua de paralelos. Tem um apetite voraz. Os pais desembaraçam-se como podem, atirando-se aos sacos do lixo. De vez em quando, passam à frente do sol e uma sombra rápida desliza pelas paredes de minha casa. É o momento mais «verdadeiro» do meu dia de teletrabalho.

Três gaivotas

Gosto de me sentar no degrau da varanda a observar as crias de gaivota que nasceram e vivem no telhado em frente à minha casa. Não se parece nada com os documentários da televisão. Um plano de conjunto, fixo, ligeiramente inclinado, com muitos tempos mortos. Não há trama nem música nem comentários sentimentais. É quase cinema.