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O teatro natural de Oklahoma

Este hipódromo é ao mesmo tempo um teatro e isto constitui um enigma. Mas o lugar enigmático e a figura clara e transparente de Karl Rossman encontram-se estreitamente ligados. Transparente, puro, talvez frouxo de carácter, é-o com efeito Karl Rossman, e é-o no sentido em que Franz Rosenzweig, no seu livro Stern der Erlosung , diz que na China o homem interior se acha «privado de carácter, o conceito de sábio, tal como desde Confúcio tem sido classicamente encarnado, apaga todas as possíveis particularidades de carácter. O que distingue o homem chinês é algo diferente do carácter: uma pureza de sentimentos elementar». Por mais que isso possa explicar-se teoricamente — a pureza de sentimentos talvez seja um equilíbrio excepcionalmente refinado do comportamento mímico —, a verdade é que o teatro natural de Oklahoma nos encaminha para o teatro chinês, que é um teatro de mímica. Uma das funções mais importantes deste teatro natural consiste em transformar o acontecer em gesto. É possível

Cântico (remix)

O dia a dia transformou-se na catástrofe única. O anjo já não precisa de olhar para o passado; basta o tempo presente, feito de ruínas instantâneas, para lhe dar aquele ar atónito de olhos esbugalhados, boca escancarada e asas abertas — a nossa figura. Depois do cântico, a extinção.

Depois do fim dos contos de fadas

(...) Tendo em conta que vários escritores e personagens literárias tiveram profissões semelhantes, vamos chamar-lhe R. W.  (...) será que R. W. só conseguia escrever disfarçando que estava a escrever, enganando-se a si mesmo e à linguagem, a ponto de nem a linguagem nem ele já acreditarem que escrevia? (...) Com esta solução, talvez também R. W. estivesse a empurrar o sentido para longe, em vez de o tornar explícito. Talvez temesse ou desprezasse o sentido. Sentir-se-ia mais próximo das coisas sem sentido ou condenado a elas? Só sabemos que já não queria copiar nem passar coisas a limpo. R. W. não servia para o que os outros queriam — e «aquilo que os outros querem» é uma boa definição de «sentido».  (...) Walter Benjamin — chamemos-lhe W. B. — comparou as personagens de R. W. com as figuras dos contos de fadas, porém depois do fim dos contos de fadas: já passaram por todas as metamorfoses e todos os sofrimentos e percursos que tiveram de cumprir dentro da lógica dos contos de fadas,

Gente palradora

Conta-se esta história a propósito de Arnold Böcklin, seu filho Carlo e Gottfried Keller: um dia estavam na taberna, como habitualmente. As suas libações eram conhecidas desde longa data pelo carácter fechado e taciturno dos convivas: uma vez mais encontravam-se calados. Após um longo momento, o jovem Böcklin observou: «Está calor», e um quarto de hora depois, o velho: «Há falta de ar.» Keller, pelo seu lado, esperou um momento; a seguir levantou-se, proferindo as seguintes palavras: «Não quero beber com gente tão palradora.» Walter Benjamin, a propósito de Robert Walser.

O cronista

O Kaiser vai ser julgado. A sala para o efeito dispõe apenas de um estrado e uma cadeira, e justamente diante dela vão interrogando as testemunhas. A testemunhar agora estava uma mulher com a sua filha pequena, que ia explicando o quanto o Kaiser a tinha arruinado com a sua guerra. Para o comprovar mostrou dois objectos que eram tudo o que tinha. O primeiro era uma vassoura com um cabo comprido; com ela a mulher limpava a casa. O segundo era uma caveira. "O Kaiser deixou-me tão pobre - disse ela - que não tenho outro recipiente com que possa dar de beber à minha filha." Walter Benjamin, Sonhos . Tradução José Aigner.
“ Nada vincula tanto o ser humano à linguagem quanto seu nome. ” Podemos abrir um bocado as palavras de Walter Benjamin, aplicar o princípio não só aos seres humanos. Faz todo o sentido, por exemplo, que a Holanda seja tratada por Países Baixos. — O bon Dieu! Les langues des hommes sont pleines de révélations.

Película aderente

— O Walter Benjamin está quase todo em saldo na Flâneur . — Não deve vender muito… — Talvez. Mas é estranho, não achas? — Estranho? — Sim, estranho. Afinal, é um dos pensadores do século XX mais citados do mundo. — Do mundo ocidental é, com certeza. Não há ensaio, artigo, nota de rodapé, que não inclua uma citação de Walter Benjamin. — O mais citado, sim, mas será o mais lido? — E os que o leram, tê-lo-ão compreendido? — Li tudo o que está traduzido e há muitas ideias que não compreendi. A maioria, devo confessar. — Sim, há qualquer coisa difícil de definir e que nos impede de chegar ao verdadeiro sentido das suas palavras. Uma espécie de falsa transparência. — Como se os textos estivessem envolvidos em película aderente. Consegues ver o que está por baixo, mas não lhe tocas verdadeiramente.