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Sarajevo VI

Últimos momentos em Sarajevo. Apanhamos um táxi para a central de autocarros. Num semáforo, o taxista aponta para um edifício moderno e feioso com uma cruz no telhado. É uma igreja católica erigida depois da guerra e que permaneceu inacabada durante anos por falta de dinheiro. A obra só foi concluída, diz o taxista, graças à ajuda de um muçulmano rico da cidade. Faz uma pausa e acrescenta: «Isto é a Bósnia.» Não sei se o taxista inventou a história. E se inventou, não sei se o fez por nós ou por ele. É uma bela história. Agradeço que a tenha contado. Tal como se inventam histórias para justificar a guerra, também se criam outras para construir a paz.

Sarajevo V

A Casa dos Sindicatos fica numa das extremidades da Obala Kulina bana, a avenida que acompanha o rio Miljacka. O mobiliário e a decoração do café são patrocinados pela marca de whisky Johnnie Walker, e no telhado brilha de dia e de noite um gigantesco néon da McDonald’s.

Sarajevo IV

Observo, fascinado, as gralhas. Estão por todo o lado. Elegantes no ar, completamente desengonçadas no chão, como o albatroz de Baudelaire. As pessoas naturalmente parecem nem dar por elas. Sinto-me como aqueles turistas no Porto que fotografam cada gaivota que lhes passa pela frente.

Sarajevo III

Do quarto do hotel, observo as pessoas na rua. Ninguém caminha com pressa. E apesar da fila de carros em hora de ponta, só de vez em quando se ouve o troar nervoso de uma buzina. Ninguém está em guerra. A cidade não está cercada e em estado de sítio. Para quê correr?

Sarajevo II

Em muitos prédios da cidade, há uma placa com o aviso «Perigo de derrocada da fachada». Mais uma coisa que não é imediatamente óbvia para um estrangeiro que não domine a língua. Só me apercebi dessa espécie de padrão após várias caminhadas. Decorridos 30 anos sobre o cerco, porque é que ainda não se renovaram as fachadas e se apagaram os traços das balas e dos morteiros? Imagino a resposta: porque na Bósnia o dinheiro é pouco e o que existe é para usar nas coisas essenciais à vida.

Sarajevo

O hotel fica numa rua relativamente estreita, que conduz directamente à avenida principal da cidade, a avenida do Marechal Tito. De um lado e do outro, prédios de quatro ou cinco andares, construídos entre os anos 60 e 70. Edifícios banais de habitação, como quaisquer outros de qualquer outra cidade da Europa Central. Fachadas manchadas pelo fumo dos carros, varandas com mesas e cadeiras de praia, janelas com venezianas. Mas se olharmos com mais atenção, as fachadas destes prédios são tudo menos banais. Há marcas de bala e de estilhaços de morteiro um pouco por todo o lado. No edifício em frente ao quarto do hotel conto mais de vinte destas marcas. Não se vêem de imediato, é preciso afastar um pouco a cortina.