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Admirou qualquer coisa, esticou-se e morreu.

As lições de George Saunders sobre os contos russos que fazem parte do livro «Nadar num lago à chuva» são porreiras. Ele é um tipo cheio de ideias (não só literárias, sorte nossa) e consegue manter nas aulas um discurso que é aparentado aos seus contos, pelo menos tem o mesmo sentido de humor e outra coisa que não sei dizer bem o que é, mas que me atrai sempre e muito. Já estou na análise do último conto, «Aliocha, o Pote », de Lev Tolstói, e confesso que fiquei espantada por achar esta história a mais admirável de todas. Se tivesse que responder a um questionário prévio, nunca escolheria Tolstói como escritor (russo) preferido e mesmo depois de ler a pequena narrativa e apesar de me dar conta da sua extrema resistência (como se diz dos materiais) ao entendimento, ainda não sabia da sua importância. Mas as dúvidas que Saunders levanta obrigaram-me a reler e a investigar. Foi a ambiguidade que Tolstói reservou para o final da história e da vida de Aliocha que provocou todo este alvoro

Early life

Concordo com George Saunders quando diz: Kushner é uma jovem mestre. Não entendo como sabe tanto e consegue passar esse conhecimento para os seus livros de uma forma tão interessante.   Mas acho que aquilo do não entendo como é retórica. Basta espreitar a página da Wikipédia da Kushner para entender alguma coisa, basta até o primeiro parágrafo:  Kushner was born in Eugene, Oregon, the daughter of two Communist scientists, one Jewish and one Unitarian, whom she has called "deeply unconventional people from the beatnik generation." Her mother arranged after-school work for her straightening and alphabetizing books at a feminist bookstore when she was 5 years old (...).

Antes do sentido histórico

Tudo acontece de forma atabalhoada, parece que estamos dentro de um parque temático enorme e decadente. Vejo as fotografias da invasão do Capitólio e penso nas histórias e nas personagens de Saunders. Antes de ser arrumada nos manuais com uma boa dose de patine, a história é sempre assim — com este sentido de pressa e confusão?

How are you coping with the coronavirus lockdown?

— So far, so good. We’re up near Corralitos, California, in a shelter-in-place zone, and are doing that. Just staying home. Feels strangely nineteenth century up here. Everything has slowed down and the trees are looking prettier and the sky seems like an old friend whose beauty you never fully appreciated, and so on. Feels like this thing, for all its horrors, might be a chance for the world to take a breath and go, “Wait, why have we been living this way?” (...) * In this, you are, and I am, I hope, like cave people, sheltering a small, remaining trace of fire through a dark period.

Desportos & Divertimentos

As trotinetes abandonadas no chão na avenida da Liberdade parecem animais mortos. Percebi logo que os atiradores eram os clientes das lojas finas. Cheguei mesmo a imaginá-los — altivos como os deuses gregos dos anúncios de perfumes — a disparar dos terraços. Também havia música e champanhe francês. Acho que li demasiado Saunders, vejo parques temáticos em todos o lado.

Querido, onde é que estão os verbos?

Ainda sobre regras para escrever bem ou seguir um método que nos parece adequado (ambas as resoluções são becos sem saída), há uma história muito gira e bastante radical que o George Saunders conta na nota final de “Guerracivilândia em mau declínio”. Depois da fase Hemingway/Babel/Carver, Saunders tentou uma escrita ao jeito de Joyce/Lowry/Lawrence e escreveu um romance com o título “La boda de Eduardo” inicialmente com 700 páginas, reduzidas para 250 mas mesmo assim intragáveis, quase sem verbos e cheias de substantivos compostos. Pediu à mulher uma opinião sobre o manuscrito, ela desistiu ao fim de alguns minutos e, com extrema concisão e justeza, disse-lhe o seguinte: — Todas aquelas horas, para isto ? Querido, onde é que estão os verbos? Puseste-os num documento à parte, ou quê? E o que é aquilo com as palavras compostas e os joguinhos de palavras e toda aquela desesclarecedora embrulhada?
"I’m glad I’m up here seeing these ancient rivers of ice before they disappear."  People definitely say that. — Hum? De certeza que isto não é um conto de George Saunders?

Como roubar bancos sem violência

Esta manhã, comprei na Vandoma por 50 cêntimos um livro dedicado ao «Samizdat» de teor político durante o período pós-estalinista. Trata-se de uma edição da Futura , de 1975, com selecção de textos, introdução e prefácio de George Saunders (não é o mesmo George Saunders ). Mas não é isto que me faz escrever. No final do volume, o editor inclui uma lista com outros títulos da mesma colecção (Meridianos Futura) e há um que inevitavelmente atrai a atenção de qualquer pobretanas como eu: «Como roubar bancos sem violência», de Roderic Knowles. Custava 90$00, em 1975, e foi, com certeza, livro de cabeceira de vários banqueiros portugueses. Eis um daqueles livros que não aparece nas feiras ou alfarrabistas. Deve ser mais difícil de encontrar do que uma primeira edição de «Os Lusíadas».
— Quem o inspira? Quais são os seus escritores favoritos? — Gosto mesmo muito dos escritores russos, especialmente do século 19 e início do século 20: Gógol, Tolstoi, Tchékhov, Babel. Adoro o modo como eles agarram os grandes temas. Também me sinto inspirado por uma certa tradição de cómico absurdo que incluiu influências como Mark Twain, Daniil Kharms, Groucho Marx, Monty Python, Steve Martin, Jack Handey, etc. E ainda, acima de tudo, adoro a tensão da ficção americana minimalista: Sherwood Anderson, Ernest Hemingway, Raymond Carver e Tobias Wolff. Isto foi o que George Saunders respondeu (respigado do arquivo da internet ). Aceito todos os nomes; as influências são uma espécie de cauda de pavão mas também podem funcionar como andaimes de construção — nada a opor. Talvez acrescentar. Agora que cheguei ao fim de "Guerracivilândia em Mau Declínio", apercebi-me de uma grande influência no estilo de Sauders. Talvez não seja assim tão grande; nem sequer influência porque

Mas agora a sério: Saunders não é um gajo infeliz.

Geralmente deixo as notas, prefácios e esse género de informações adicionais para o fim, gosto de saber do que falam para concordar, divergir ou ignorar — e como é que posso saber isso antes de ler os contos, o romance ou o que seja? Bom, costuma ser assim mas na “Guerracivilândia em Mau Declínio” baldei-me para a regra. É o meu terceiro livro de contos de Saunders, já deixei crescer um intenso afecto pelo autor, por isso fui direita às notas das últimas páginas sobre as circunstâncias em que o livro foi escrito (segmento: o escritor é o escritor e as suas circunstâncias). Como é habitual nos contos, também aqui: é tudo divertido e sórdido, Saunders revela uma extraordinária capacidade de desenrolar frases vulgares (um maná para os tradutores) sobre cenários complexos, as personagens passam a vida a tropeçar e a elevar-se, as situações complicadas tendem a complicar-se ainda mais antes de estourarem de modo suave. “Subitamente, senti-me como se estivesse a levar um enxerto de porr

Tripla descrição literária

Na universidade começara a desconfiar de embelezamentos literários convencionais, cansado, por exemplo, daquilo a que eu chamava tripla descrição literata : “Todd sentou-se à mesa preta, a superfície de ébano, a escura portadora de vários copos e pratos, cujas presenças alvas, circulares, em forma de disco, troçavam da sua futilidade, da sua impotência, da sua incapacidade para agir.” Porra, achava eu, que tal dizeres apenas: “O Todd sentou-se à mesa.” Ou melhor, corta essa parte também. Porque é que precisamos de saber que o Todd se sentou à mesa? Avisem-me só quando o Todd fizer alguma coisa. E é bom que não seja “erguer uma chávena até aos seus lábios”, nem “pausar pensativamente para deixar que a percepção de Randy o iluminasse por completo”. Na altura andava um bocado carrancudo, em termos de prosa. George Saunders, na Nota de Autor de “Guerracivilândia em Mau Declínio” .  Tradução de Rogério Casanova para a Antígona. Janeiro de 2019. Páginas 207 e 208.

Trinitarianismo literário

Sempre tinha adorado Hemingway e passei grande parte do tempo na universidade a fazer imitações de Hemingway. Quando me cansava, fazia uma imitação de Babel. Às vezes imitava Babel, supondo que Babel tivesse vivido no Texas. Às vezes imitava Carver, supondo que Carver tivesse trabalhado (como eu) nos campos petrolíferos de Sumatra. Às vezes imitava Hemingway, supondo que Hemingway tivesse vivido em Syracuse, o que acabava sempre por me soar a Carver. George Saunders, na Nota de Autor de  “Guerracivilândia em Mau Declínio” .  Tradução de Rogério Casanova para a Antígona. Janeiro de 2019. Páginas 201 e 202.

Realidade aumentada

A primeira vez que lavei os ouvidos e entrei num café logo a seguir, ouvi um barulho intenso de talheres, vidro, vapor, o som seco do manípulo da máquina de café — é mais ou menos isso que sinto quando leio os contos de George Saunders.