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O Porto já não são tripas

Há uns seis ou sete anos, quando o vendaval do turismo e da gentrificação se abateu definitivamente sobre o Porto, surgiram um pouco por toda a parte, em grafítis e autocolantes, os slogans «O Porto já não são tripas», «Make Porto Podre again» ou «Porto Morto». Lembrei-me disto ontem, ao ver Vanitas , de Paulo Rocha, no Batalha. O filme é de 2004. Poucas vezes alguém mergulhou tão fundo na carne da cidade, na nossa carne, até às tripas. O Porto barroco, da morte e da terra molhada, dos fogos de Junho, do granito que nesse tempo transformava o dia em noite, do rio escuro, meio água meio lama. Esse Porto podre pertence já a outro mundo. Os próprios slogans perderam a força de um manifesto político e soam agora como um lamento, um canto fúnebre. Não apenas pela cidade soterrada sob os plásticos coloridos do turismo, mas por um Porto que já só existe na memória, no pó dos livros ou em certos filmes, como Vanitas .

Falam com grande gravidade e, apenas, o estritamente necessário.

João César Monteiro: Os diálogos que escreveste para o Mudar de Vida do Paulo Rocha também são resultantes de uma investigação prévia? António Reis: Nesse caso, a natureza dos diálogos deve-se primeiro, a um espírito muito conciso que tenho na poesia: o seu aspecto descarnado é também peculiar à região dos vareiros da Afurada, que eu conhecia. Havia uma certa afinidade com a maneira de falar da região porque eles falam com grande gravidade e, apenas, o estritamente necessário. Para além disso, o Paulo Rocha ia tratar um tema que eu estudara na adolescência, e isso foi determinante. Praticamente, vi sempre o diálogo na boca das pessoas. Por isso, tem muitos silêncios, muitos  staccatos , uma pontuação cinematográfica. Na verdade, julgo que criei um diálogo para cinema. Com esta sorte também: é que, na expressão poética eu era muito económico e conhecedor dos vícios em que se incorreu ao utilizar o diálogo como suporte de muitos filmes e estava, por assim dizer, alertado contra esse