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Questionários de Verão

Gosto de ler os questionários de férias dos jornais. É o tipo de coisas que só se publicam no Verão. É como se o tempo arrastado e indolente da estação fosse mais propício ao confessionalismo. A ideia é simples: os entrevistados têm mais disponibilidade e menos pressão para pensar nas respostas e, por isso, podem ser mais autênticos e genuínos. Mas é exactamente por esse motivo que as respostas são tudo menos autênticas e genuínas. Os questionários são uma espécie de exercício proto-literário, mais próximo da ficção do que qualquer outro texto do jornal. O que o leitor avalia não é a autenticidade, mas a destreza inventiva do entrevistado. E, claro, lendo a maioria das respostas, a verdade deve ser bastante mais interessante do que a ficção.

História alternativa

O momento presente é tão problemático para a ficção contemporânea como para a ficção científica, se não mais. Um romance pode demorar anos a ser escrito e um autor que trabalhe num romance que decorra no presente tem de assumir que o mundo não sofrerá alterações drásticas durante esses anos. Romances que estejam a ser escritos neste momento correm o risco de parecerem datados quando forem publicados, que é uma coisa com a qual os seus autores provavelmente não estão familiarizados. Creio que tanto os escritores como os leitores deveriam considerar isto como um lembrete de que a ficção não precisa de se situar na realidade actual para ser relevante para as nossas vidas. (...) Há imensa ficção científica que decorre no passado e muitas vezes coincide com o género denominado "história alternativa", que explora outras trajectórias que a história poderia ter tomado. Isto relaciona-se com o que afirmei acima: uma série de romances contemporâneos tornaram-se agora ficção de históri

Ficção

O vírus tirou o tapete aos artistas, os grandes criadores de fantasmas. O que escrever, o que filmar, o que pintar, quando a ficção se transformou literalmente na realidade? Há um mês, a ideia de um mundo suspenso, com as ruas desertas, as escolas vazias, lojas e cafés fechados, milhões de pessoas em prisão domiciliária, funerais sem familiares, há um mês, dizia, todas estas ideias podiam ser pistas para uma ficção meio distópica. Hoje, no momento em que escrevo, a distopia é pensar no mundo em que vivemos até aqui. A realidade dita «normal» é agora uma ameaça à nossa condição. Uma esplanada na Baixa, alguns amigos, algumas cervejas, sem luvas e sem máscaras, eis a distopia dos nossos dias.

É tudo verdade

Leio numa revista brasileira que, dentro de dias, abre mais uma edição do festival internacional de documentários É Tudo Verdade , no Rio de Janeiro. Em Paris, decorre o festival Cinéma du Réel . Entre nós, o Porto/Post/Doc classifica-se a si mesmo como um “festival de cinema do real” e usa o slogan «As nossas histórias são reais». Curiosa esta recorrente necessidade de afirmar o documentário como o género cinematográfico do «real» e da «verdade». Há aqui uma espécie de horror à ficção que contradiz justamente o tipo de filmes que têm sido premiados - e bem - nestes certames. No Porto/Pos/Doc, por exemplo, que é o caso que conheço melhor, os mais belos filmes do festival revelam sempre um olhar , uma montagem e uma escolha pessoalíssima dos seus autores. Não sei se a «verdade» e o «real» têm alguma relevância para o caso. Há certamente uma contaminação do documentário pela ficção. Mas esse jogo, entre criador e espectador - o que é verdade e o que é ficção? - é a parte verdadeirame