Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens com a etiqueta Jean Genet

Servos

Leio no Fragmento XXI de A Amizade , de Simone Weil: «O pastor é servo das ovelhas.» Sigo um daqueles rastros deixados na memória e regresso a Un Chant d'Amour , do Genet. Também o polícia da prisão é servo do seu desejo solitário e oculto. Prisioneiro de si próprio, da sua carne, procurando desesperadamente uma saída. É o menos livre dos personagens.

Uma impostura

Terei lido mal Os Irmãos Karamázov ? Li-o como se de uma blague se tratasse. Dostoiévski destrói o que até então considerávamos uma obra de arte com assertividade, dignamente. Parece-me, após a leitura, que qualquer romance, poema, quadro ou música que não se destrua, quer dizer, que não se construa como um jogo de massacre que o inclua entre as suas vítimas, é uma impostura. Jean Genet, a propósito dos Irmãos Karamázov.

Ah, que lindo trio nós formamos!

O JUIZ: (Irritado.) Vais-me responder ou não? Que mais roubaste? Onde? Quando? Como? Quanto? Porquê? Para quê? - Responde. (...) A LADRA: Peço perdão, mas já não me lembro. O CARRASCO: Arreio nela? O JUIZ: Ainda não. (Para A LADRA) Onde é que entraste? Diz-me, onde? Onde? Onde? Onde? Onde? Oonnn!... Oonnnn!... Oonnn!... A LADRA: (Aflita.) Já não sei, juro que já não sei. O CARRASCO: Arreio nela? Senhor Doutor Juiz, arreio nela? O JUIZ:  (Para O CARRASCO e aproximando-se dele.) Ah! Ah! O teu prazer depende de mim. Gostas de dar porrada, hem? Dou-te razão, Carrasco! Magistral monte de carne, ganda chicha que uma decisão minha acciona! (Finge olhar para si mesmo na pessoa do CARRASCO.) Espelho que me glorifica! Imagem que posso tocar, amo-te. Nunca teria a força nem a perícia suficientes para deixar riscas de fogo nas costas dela. Aliás, que poderia eu fazer de tanta força e perícia? (Toca nele.) Estás aí? Estás aí, meu braço enorme, demasiado pesado para mim, demasiado grosso, dem...

Realidade e fingimento

Domingo de tarde. Leio o Manual de Leitura do TNSJ, dedicado a O Balcão , de Jean Genet. Na página 25, deparo-me com esta indicação de cena do próprio Genet: «Deverá encontrar-se um tom de dicção permanentemente equívoco, permanentemente falseado. Os sentimentos dos protagonistas, inspirados pela situação, são fingidos ou reais? (...) É preciso manter o equívoco até ao fim.» O sublinhado é meu. Na mesma frase, e a propósito de um momento de teatro, Genet não estabelece diferenças entre o que é real e o que é fingido. Pelo contrário, deseja que realidade e fingimento se confundam no palco. Em todos os palcos. O teatro, o lugar do fingimento por excelência, pode ser mais real do que a realidade. É exactamente essa a ideia de O Balcão .

uma arte de vagabundos superiores

Que respeito pelos objectos. Cada um tem beleza própria porque é «único», possui o insubstituível. Mas não se trata de arte social, a arte de Giacometti, só por ele estabelecer laços sociais entre objectos – o homem e as suas secreções –, será antes uma arte de vagabundos superiores, a tal ponto puros que apenas o reconhecimento da solidão de cada ser e de cada objecto os uniria. «Estou só, parece dizer-nos o objecto, cativo de uma necessidade contra a qual nada podeis. Se não fosse o que sou, seria indestrutível. Sendo o que sou, e sem reservas, a minha solidão reconhece a vossa.» Jean Genet, "O Estúdio de Alberto Giacometti", tradução de Paulo Costa Domingos, Assírio & Alvim, março de 1988.

não fluida, antes pelo contrário, muito dura

Se pronunciei atrás «… aos mortos» foi afinal para que essa multidão anónima veja agora tudo quanto não pôde ver em vida, agarrada que estava aos ossos. Pois é preciso uma arte – não fluida, antes pelo contrário, muito dura – dotada do estranho poder de penetrar os domínios da morte, capaz de se infiltrar pelas paredes porosas do reino das sombras. A injustiça – e a nossa dor – seriam demasiado grandes se um único nessa multidão fosse impedido do contacto com alguém entre nós, e bem pobre será nosso triunfo se apenas nos conduz a uma glória futura. A obra de Giacometti transmite ao povo dos mortos o conhecimento da solidão de todos os seres e de todas as coisas, solidão, nossa mais certa glória. (…) Solidão, como eu a entendo, não designa estatuto de miséria mas secreta soberania, nem profunda incomunicabilidade mas conhecimento mais ou menos obscuro de uma singularidade intocável. Jean Genet, "O Estúdio de Alberto Giacometti", tradução de Paulo Costa Domingos, Assírio ...

Nem um sopro de vida

As minhas ideias políticas mais importantes vêm de textos e filmes clássicos (Sófocles, John Ford, Kleist, Büchner, por aí fora), de um filme de Buñuel, do livro do Genet sobre Giacometti e, se não me engano, d’ O Sobrinho de Wittgenstein. Passo os olhos pelos programas eleitorais (não os consigo ler na íntegra); parecem chicletes velhas.