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O segundo nascimento de Cioran

Ao passar, há mais de trinta anos, do romeno para o francês, Cioran fez mais do que mudar de idioma; converteu-se noutro escritor, noutro pensador.  Tendo sido educado em Sibiu, situada na região saxónica, o jovem Cioran conhecia o alemão tão bem como todos os transilvanos cultos. Foi apenas muito tardiamente, no contacto com o mundo intelectual de Bucareste onde frequentou a universidade, que se familiarizou com a língua francesa. Aliás, será que se teria transformado num escritor francês sem as circunstâncias históricas e políticas que separaram as duas partes da Europa depois da guerra? Podemos perguntar-nos isso uma vez que sabemos que à sua chegada a França, deixou para trás não menos que seis livros escritos entre 1930 e 1940, dos quais o primeiro, Nos Cumes do Desespero conquistou o grande prémio da Academia Royale dedicado aos jovens autores em 1934! Surpreendido pela guerra em Paris em 1940, ficou em França a fim de cumprir aí o seu verdadeiro destino — quase um destino romen
Simone Boué : (…) Anos mais tarde, Sanda Stolojan começou a traduzir Lágrimas e Santos  e vinha com muita frequência cá a casa, trazia o seu texto. Cioran exigia que eu estivesse presente, e eu, eu estava muito infeliz porque embora normalmente Cioran fosse simpático, afável, cortês, quando se tratava da escrita, de um texto, já não tinha essa gentileza. Dizia: é preciso cortar, isto não presta. Lembro-me de  Sanda a chegar, entrava e perguntava: «que mais vai cortar hoje»? Parece que a versão francesa de Lágrimas e Santos representa cerca de um terço do texto romeno. Sanda escreveu um prefácio para se defender, e Cioran decidiu reescrever algumas páginas, de modo a não termos a impressão de ler um texto traduzido do romeno; é principalmente o escritor francês que encontramos nesta versão. Recentemente, li a tradução em inglês e fiquei impressionada, o inglês presta-se mais à tradução do romeno, é menos rígido, e depois há essa profusão, esse lado barroco do estilo de Cioran em romeno

Dia de todos os santos

Como Sanda Stolojan explica no prefácio, as lágrimas são uma presença constante na escrita de Cioran. Mais do que um fluido fisiológico, respondem a uma dor profunda e antiga — remontam a muito antes do seu nascimento nos Cárpatos, atrevo-me até a dizer que surgiram com o pecado original. Cioran transporta esse mal-estar primordial e essas lágrimas obsessivas como um fardo histórico mas também como alento (?) para pensar o desespero da condição humana. Em relação aos santos, importa fazer o mesmo exercício de abstracção e recuo: se as lágrimas são a consequência de uma tristeza constante colada à pele, os santos vêm de um sentimento religioso vigoroso mas sem destino; integram no seu âmago simultaneamente um desejo intenso (ou uma saudade?) de ligação a qualquer coisa, como é da sua natureza, e uma solidão sem saída — que desatino! Apesar do que escreve a tradutora e também o filósofo (quando se refere a Lágrimas e Santos, Cioran gosta de sublinhar que as lágrimas ocupam um e

Prefácio a “Lágrimas e Santos”

Nas suas Entrevistas com Chestov , Benjamin Fondane cita uma frase de Chestov que diz que a melhor maneira de filosofar é “andar sozinho”, sem tomar outro filósofo como guia; melhor ainda é falar de si mesmo. Fondade acrescenta mais adiante: “o tipo do novo filósofo é o pensador privado, Job sentado sobre o seu esterco”. Cioran pertence a essa raça de pensadores. Durante muito tempo ignorado, lido apenas por marginais.  Se os seus paradoxos ou as suas piruetas divertem ou irritam alguns dos seus leitores, outros — os verdadeiros — experimentam uma estranha sensação de euforia à beira do abismo, como essa jovem libanesa que lia Cioran sob os bombardeamentos, numa cave em Beirute, pois achava o seu espírito estimulante e o seu humor um tónico no meio do desastre. Ou como aquela japonesa que, querendo matar-se, descobriu a tempo as palavras de Cioran sobre o suicídio e começou a escrever-lhe. A felicidade de uma obsessão partilhada transformou o pesadelo numa conversa epistolar.  O que d