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Obrigada, senhor Cohen.

“Bela do Senhor” começa nas últimas páginas do “Trincapregos” aliás, “Trincapregos” já vinha de “Solal” assim como “Bela do Senhor” se prolonga em “Os Valorosos”. É uma tetralogia que partilha sítios, personagens, ideias e frases; ler os quatro de seguida é como apanhar uma grande bebedeira. A questão principal do livro talvez seja, de facto, a relação amorosa entre Ariane Cassandra Corisande d’ Auble, por casamento Daume, e Solal dos Solal. Mas reduzir “Bela do Senhor” a uma história de paixão é preguiça e muito errado. Trata-se de uma obra compósita, dinâmica e oh, maravilha! extremamente literária onde as palavras galopam e sucumbem (agradecimentos também aos tradutores que aguentam a agitação constante  e, de novo, ao editor corajoso ). De forma impressionante, Albert Cohen retrata o crescimento do nazismo numa Europa complacente, ataca a burocracia e as rotinas sem sentido e sem responsabilidade da Sociedade das Nações, critica os homens lambe-botas e ambiciosos como Adrie...

no fim de contas, e no mais profundo,

“Reflexões sobre Bach ou sobre Kafka são sinais indicadores dessa pertença. De onde as conversas elevadas dos começos de um amor. Ele disse que gostava de Kafka. Então, a idiota fica extasiada. Ela crê que é por ele ser intelectualmente bem. Na realidade, é porque ele está socialmente bem. Falar de Kafka, de Proust, de Bach, é a mesma coisa que as boas maneiras à mesa, que partir o pão com a mão e não com a faca, que comer com a boca fechada. Honestidade, lealdade, generosidade, amor da natureza são também sinais de pertença social. Os privilegiados têm massa: porque não seriam eles honestos ou generosos? São protegidos desde o berço até à morte, a sociedade é suave com eles: porque haveriam de ser dissimulados ou mentirosos? Quanto ao amor pela natureza, ele não abunda nos bairros da lata. Para isso é preciso ter rendimentos. E a distinção, o que é senão as maneiras e o vocabulário em uso na classe dos poderosos? Se eu digo fulano e a sua dama, sou vulgar. Esta expressão, distinta há ...

Particular orgulho

Mas o filho, João Brito, também editor, diz que teve um particular orgulho em ter publicado o monumental “Bela do Senhor”, de Albert Cohen, com tradução de António Pescada, e o desgosto de o ver fracassar. Há livros que são como ervas espontâneas, existem por si próprios, são necessários e é isso que importa, encontram sempre uma brecha, uma saída, o êxito. A “Bela do Senhor” não fracassou nem poderá nunca fracassar. Há quanto tempo foi? 20, 25 anos? Estava de férias em São Pedro de Moel e andava a ler “Bela do Senhor” (antes ou depois do “Trincapregos”?) Nessa altura nem sequer tinha carro, levei-o na mochila, na camioneta, nos braços, para a praia e para a esplanada de um café velho junto às rochas, sobranceiro ao areal. O livro dava nas vistas pela espessura (900 páginas) e pela capa amarela. Lembro-me de uma rapariga dizer ao namorado, alto e com enjoo, “Ei, já viste aquele calhamaço!?” Ela não fazia ideia da minha monumental sorte.