Há uns anos tentei explicar, pelo menos a mim mesma, porque gosto tanto de contos. Tem a ver com a duração, a intensidade contida e, acima de tudo, a forma de quebrar . Continua a ser assim, não mudo uma palavra. No entanto, ao reler o segundo conto de “Demasiada felicidade”, apercebi-me de outra coisa tão evidente que se torna invisível: como nas histórias infantis, Alice Munro coloca uma ervilha debaixo do nosso colchão logo no início. Quer dizer, a narrativa cresce em direcções opostas. Vamos conhecendo as personagens e as suas circunstâncias triviais; ao mesmo tempo, um pressentimento divergente insinua-se como uma sombra e agarra-nos sem descanso. Não é a tensão característica das novelas policiais — é pior, a ferida fica por resolver.
de Cristina Fernandes e Rui Manuel Amaral