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Saltarinheiro

14 de outubro (1970) A. A. envia-me o Diário de Vlasiu onde se fala muito de mim tal como era em 1938-39.  Esse eu de que Vlasiu fala, por mais que tente, não o consigo reconhecer: escapa-me, tem a consistência de um espectro. É verdade que não se percebe lá muito bem como é que nos podemos reconhecer quando somos evocados por um saltarinheiro, por um escroque ao mesmo tempo bilioso e cheio de encanto, um labrego manhoso e cabotino como não há outro.  Emil Cioran, Cadernos 1957-1972   Traduzir os Cadernos  obriga-me, constantemente, a procurar uma data de insultos em português. Não são uns insultos quaisquer, têm de ser potentes e encantores ao mesmo tempo (mais ou menos:  pulverizar, mas com dedicação ).  Para além da alegria que me dá no momento, fico preparada para eventuais reclamações, guerrilhas e discussões. E também deve dar pontos no curriculum vitae .

Les fruits secs de la vie

Voltei ao Cioran. Ao traduzir uma anotação dos Cadernos de finais de 1967, encontrei um insulto esquisito: fruits secs — assim mesmo no plural e com um sentido que não está registado nos verbetes dos dicionários. Depois de pesquisar, percebi que era um insulto do século XIX (Cioran tem esta capacidade maravilhosa de agarrar o que há de mais vivo numa língua, venham as palavras do passado ou do futuro). Historicamente, a expressão é muito rica e esteve prestes a sair da redoma do francês, bastava que Flaubert não a tivesse descartado para título do que viria a ser A Educação Sentimental . No entanto — e apesar de não faltarem por aí frutos secos —,  duvido que no nosso tempo pudesse surgir um insulto deste tipo, nem sequer em França. Seria necessário, pelo menos, exagerar um pouco o atributo para instaurar alguma estranheza:  murcho , ressequido ou até mesmo mirrado .  Quanto à tradução, podemos fazê-la à letra explicando numa nota de rodapé o sentido figurado: não se trata de um fru

Insultos

[Cioran tem jeito para escrever insultos. Não recorre nunca a lugares comuns nem a palavras gastas. Pelo contrário, preocupa-se em encontrar os adjectivos mais intensos e adequados à ofensa. Trata-se de um trabalho moroso e frágil — lamentavelmente nem sempre apreciado. Nos seus exercícios insolentes (são tantos, muitos deles contra si próprio), o filósofo eleva o francês ao nível de uma língua profunda e musical: os insultos quase parecem elogios. Talvez isso aconteça, também, porque estas palavras de afronta são arrancadas das entranhas — Cioran é um tipo antiquado que ainda escreve com os órgãos. Em termos literários, são mais poesia do que certos poemas coxos que por aí andam. Merecem ser lidos em voz alta, num palco? — sim, onde podem revelar todo o seu dramatismo. E até algumas lágrimas.] Encontrei X por acaso — sempre essa mistura desconcertante de crápula e louco, mas no fundo inapreensível: um homem que nem sequer tem a noção de “veracidade”, fisiologicamente “inexacto” e amo