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Agora é que acaba

Espero que os direitos d’ O Passageiro e Stella Maris sejam caros que chegue para afugentar adaptações tipo Netflix. Não precisamos que nos mostrem a beleza de Alicia nem os tiques do Puto esquizóide. É preferível imaginá-los de um modo difuso e não finito — não é para isso que a literatura serve? A única coisa que se pode acrescentar ao díptico de Cormac Mccarthy é a banda sonora dos números de vaudeville:  Tom Waits a bater em latas, a fritar bacon , etc. Isso.

A dúvida como mecanismo de condução

Estabelecer uma relação entre Alicia e Cioran é uma ideia estúpida, mas bastante divertida. Acabei por descobrir (na verdade foi Alicia que descobriu) que a família dos Western (da parte da mãe) era originária da Roménia e, durante um certo tempo, Alicia teve o devaneio de fugir para lá (como se a Roménia fosse a floresta por excelência) com o irmão para viver um amor fora da lei. Claro que isso vale vários pontos na minha investigação falhada, mais até do que o suicídio que é penalizado por ser demasiado óbvio. Depois há muitas coisas que Alicia diz ao psiquiatra e ao Puto — mas não tirei notas, por isso fico-me por esta citação, já d’ O Passageiro (página 319), que podia ser um recadinho amoroso para o filósofo. E já chega disto. «(...) A ideia está sempre a lutar contra a própria concretização. As ideias surgem dotadas de um cepticismo inato, não aparecem e levam tudo à frente. E estas dúvidas têm a sua origem no mesmo mundo que gerou a própria ideia. E isto é uma coisa a que, na

Que história é esta da poesia?

Num dos seus encontros, ao vasculhar nos papéis de Alicia, o Puto descobre que ela escreve poesia ( O Passageiro , página 316). Quase de certeza que Cormac não nos vai mostrar nem um verso. É um fora de campo brilhante porque nos desinquieta como uma picada.

É uma pessoa perfeita

O Puto Talidomida mete no bolso qualquer personagem excêntrica de David Lynch. Na verdade ele nem é bem uma personagem, melhor seria chamar-lhe entidade, como Alicia diz já não sei em que página. Convém também não esquecer que se trata de uma criação da criação, quer dizer, Cormac McCarthy inventou Alice ( Alice and Bob , isso) que saca este rapaz defeituoso das profundezas do seu inconsciente puramente biológico .  O Puto domina em três campos: apresentação, discurso e artes cénicas. Num certo sentido podemos, talvez, considerá-lo um primo americano das personagens de Lewis Carroll — todas em simultâneo, encavalitadas e turbinadas. 1. Quanto à apresentação, basta citar algumas das descrições que a imagem cresce por si, bizarra e poderosa:  « O nome completo é Puto Talidomida. Não tem mãos. Só um par de barbatanas.» (...)  « Podemos falar do Puto?  Claro. Que se foda.  Toquei num ponto sensível.  Na verdade, não. Apeteceu-me ser ordinária, só isso.  Qual é a aparência dele? 

O rasto das afinidades

O que a topologia tem de fixe é que os problemas em que trabalhamos não têm que ver com outra coisa qualquer. A nossa esperança é a de que, ao resolvê-los, eles nos expliquem porque é que os formulámos, logo para começar. Procuramos o rasto das afinidades.  Stella Maris, de Cormac McCarthy. Tradução de Paulo Faria. Edição da Relógio d’ Água. Página 136.

Estames

Só agora descobri que a melhor forma de ler O Passageiro e Stella Maris não é pela ordem em que foram editados, nem ao contrário. Devem ser lidos intercaladamente, como no exemplo do Priberam : estames dispostos intercaladamente. Assim, sim, percebemos o que é o efeito estéreo em literatura.

Luz de presença

Aparece na página 36, sem nenhuma relação com Alicia. No Napoleon House, no bairro francês, um tipo conta como conheceu Bobby Western e às tantas diz: «Citei-lhe Cioran, ele citou-me Platão acerca do mesmo assunto.» Uma coisa de nada, mas vou considerá-la como luz de presença.

Juventude em marcha

Fico sempre espantada como é que homens tão velhos podem criar personagens tão jovens e bravias. Alicia Western é uma mulher improvável, mas é também, e sem contradição, extremamente verdadeira e apaixonante. (É da mesma têmpera da Karin de Saraband .) Dá a impressão que Cormac McCarthy guardou para o fim uma energia qualquer, uma forma diabólica de interpretar a fuga de Bach que, em português, talvez se possa traduzir por juventude em marcha.

Experiência da dupla fenda

Foi por acaso. Encontrei-o na biblioteca, na prateleira das novidades, mas era por aqui que queria começar: Stella Maris , o último livro de Cormac McCarthy. Alicia Western podia ser uma leitora (perversa?) de Cioran. Talvez até o conseguisse transformar numa equação?