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São horas de embriaguez

Leio no jornal que Vitor Escária tinha 75.800 euros «escondidos em livros e dentro de caixas de vinho», no seu gabinete, em pleno Palácio de São Bento.  Parece-me óbvio que o chefe de gabinete do primeiro-ministro é um leitor atento de Baudelaire e admirador da nossa edição  Embriagai-vos . Este é um dos perigos de ser um pequeno editor: inspirar o crime sem levantar suspeitas. Ninguém viu, ninguém leu.

Os tímidos

Dantes, nos transportes públicos, os tímidos sentavam-se a um canto e abriam um livro para não atraírem as atenções. Agora, abrir um livro no metro é motivo para a carruagem em peso levantar os olhos dos telemóveis e pasmar. Agora, é coisa de pavões.

Não desejo isto a ninguém, nem mesmo ao pior inimigo

(...)  A leitura de um livro é, hoje, para muita gente, um acto anacrónico, anti-democrático, sem qualquer força de atracção para quem se habituou a tudo o que é interactivo. Num livro recente, Pouvoirs de la lecture. De Platon au livre électronique , o filósofo e musicólogo francês Peter Szendy, professor numa universidade norte-americana, começa por se referir a esse imperativo da leitura e conta como se sentiu espantado por uma série de decisões judiciais que prescreviam a leitura como pena a cumprir pelo réu. A primeira história que ele conta, leu-a no Courrier international em Julho de 2009 e tinha como título Pior do que a prisão, a leitura . Tratava-se aí da condenação de um cidadão turco, condenado por um tribunal do seu país a quinze dias de prisão, uma pena comutada em obrigação de ler uma hora e meia por dia, sob vigilância policial, durante alguns meses. Quando um jornal local perguntou ao indivíduo sentenciado como é que ele sentiu a sua entrada, pela primeira vez, na bibl

Premonição

Só quando cheguei a casa é que reparei que dois dos livros, apesar de tão afastados entre si, são de índole meteorológica: Geada e Depois da Chuva . Vai ser um inverno rigoroso.

En vert et contre tout

Apesar de Jean-Pierre Léaud dizer que passa as tardes no Flore a ler ,  só o vemos com “À procura do tempo perdido”  — e o filme  tem três horas e quarenta minutos! O livro (com dedicatória) que ele tenta oferecer a Gilberte é “Os desastres de Sofia” (curiosa, mas não inédita, a ligação de Proust à Condessa de Ségur).  Em casa de Marie, quase escondido, o Cahier Michaux , das Editions de L’Herne .  Em casa do amigo, um livro sobre as SS.  Há mais algumas citações esparsas (Bernanos, Borges, Céline? et al .) O resto é a perfeição e diversidade literária do texto de Eustache: muitos aforismos, críticas de todos os tipos, pequenas narrações, confissões, diálogos, monólogos,  anedotas , etc. Contra todos.

Comércio tradicional

Na mercearia de produtos eslavos, Гастрономъ Славянский, que fica na Rua Dr. Ricardo Jorge, a primeira coisa que o cliente encontra são livros. À entrada, do lado esquerdo, há uma estante com um número considerável de clássicos russos. Seguem-se as frutas, legumes, queijos, enchidos, molhos, iogurtes e doces.

Como são pesados

Hale aparece carregado de meia dúzia de pesados alfarrábios. HALE: Por amor de Deus, ajudem-me! PARRIS, encantado : Reverendo Hale, que prazer tornar a vê-lo (agarrando alguns livros) . Santo Deus, como são pesados! HALE, pousando os livros : Não admira: têm o peso da autoridade! PARRIS, um tanto amedrontado : Sim, senhor, o Reverendo vem bem preparado! HALE: É preciso estudar muito para podermos cortar as voltas ao Mafarrico, que julga? Arthur Miller, As bruxas de Salém . Tradução de Rui Guedes da Silva.

Tudo se fora

Olga Ivanovna torna a falar-me da família, acrescentando novos pormenores, sobretudo acerca do avô Nikolai. Tinham conseguido conservar a preciosa biblioteca do tio Vladimir. Os «homens de casaco de cabedal» tinham examinado todos os livros à procura de obras proibidas e tinham levado algumas. Mas o avô conseguira salvar o principal, escondendo os livros numa cova e cobrindo-os com um encerado. Guardava-os à espera que Volodia regressasse um dia. «Há-de precisar deles.» Quando se tornou evidente que Vladimir já não era deste mundo, começou a vendê-los um a um, pressionado pela miséria. Chorava ao vê-los partir. Quando voltou do campo já não tinha nada. «Tudo se fora» Predrag Matvejevitch, Epistolário Russo . Tradução de Pedro Tamen.

Livro I, capítulo I, primeira palavra.

Esta manhã, vimos a exposição de R.H. Quaytman. Quase no fim, há um quadro onde a artista representa um livro - toda a exposição é organizada em torno das ideias de livro e de capítulos de um livro - com a inscrição «Book One: Fear». É perfeito. O capítulo inicial de qualquer livro deveria intitular-se «Medo». E a primeira palavra de qualquer primeiro capítulo também. É aí que tudo começa.

Como seres humanos e não como livros

No seu estado parcialmente inebriado, Falk sentia-se muito bem: aquele sítio era quente, luminoso, barulhento e fumarento, e encontrava-se rodeado de pessoas cujas vidas prolongara por algumas horas e que, por conseguinte, estavam tão contentes quanto moscas reavivadas pelos raios do sol. Sentiu-se parte de uma unidade que com eles formara, uma vez que, no geral, eram infelizes, modestos e educados; percebiam o que ele dizia e, quando falavam, expressavam-se como seres humanos e não como livros. August Strindberg, O salão vermelho . Tradução de João Reis.
Recrudescimento de actividade de negócios financeiros e económicos: vou investir parte do complemento de estabilização (trezentos e cinquenta e um euros) em livros e vinho .

Estantes

Tenho duas estantes: uma com os livros que li e outra com os livros que estão por ler. Não misturo. São domínios completamente diferentes. Quando não consigo terminar um livro, coisa que ainda me custa fazer, não o arrumo na estante dos livros já lidos, mas na outra, a estante dos livros por ler. Mesmo que tenha ficado a poucas páginas do fim. A estante dos livros já lidos está organizada de acordo com um sistema simples: os autores acham-se agrupados por línguas e dentro das línguas por nacionalidades. Entre os autores de língua alemã, por exemplo, estão os austríacos e os alemães. Os cubanos, os argentinos, os espanhóis ou os mexicanos, sucedem-se entre os de língua espanhola. Depois, os russos, os húngaros, os japoneses, e assim por diante. Há várias excepções. Beckett, apesar de tudo, permanece entre os autores de língua inglesa e Kafka está fora da secção alemã. Os suiços estão juntos, apesar do grupo incluir autores de línguas diferentes. Enfim, há também os belgas e outr

São todos perigosos

Tenho andado a pensar nisto: quando devolver os livros à biblioteca, os livros vão ser considerados suspeitos. Imagino que antes de voltarem às estantes sejam recolhidos com luvas, levados para uma câmara de desinfecção, higienizados. E isso vai acontecer a todos os livros das bibliotecas que estão — por agora e sabe-se lá até quando — retidos nas nossas casas possivelmente contaminadas. São todos perigosos. Os livros à nossa semelhança.

Auschwitz

Num conhecido supermercado de livros, entre best-sellers sobre maquilhagem, culinária, mindfulness e a Bíblia, conto vários romances cor-de-rosa «inspirados» em Auschwitz: As Gémeas de Auschwitz , O Tatuador de Auschwitz , O Farmacêutico de Auschwitz , A Bailarina de Auschwitz , O Violino de Auschwitz , A Bibliotecária de Auschwitz , Os Bebés de Auschwitz . As capas são muito parecidas: fotomontagens com neve, arame farpado, a linha de comboio e a silhueta do campo em fundo. O que se passa connosco? Que estranha sombra é esta que cresce entre nós, neste final de 2019?

Inscrição

Aquelas pessoas que escrevem um nome, uma frase, uma declaração de amor no cimento ainda fresco. Qualquer coisa que perdurará anos, décadas, até à próxima campanha de obras públicas ou até à próxima guerra. Passamos pela inscrição todos os dias e já não damos por ela. É como se não existisse. Exactamente como certos livros nas bibliotecas.