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O cão da angústia

O plano-sequência que abre Fabian — Going to the Dogs vale mais do que mil artigos de politólogos. A câmara percorre uma estação de metro de Berlim na actualidade. É o olho de um passageiro ocasional. Pode ser qualquer pessoa, posso ser eu. Sou eu a caminhar para a saída. Subo as escadas da estação em direcção à superfície. Um degrau após outro. Quando chego à rua, estou em Berlim, sim, mas em plena República de Weimar. Os sinais da ascensão do nazismo estão por todo o lado. Fazem parte da paisagem. Parecem tão naturais como a pedra dos edifícios, o ruído dos automóveis, as nuvens no céu. Neste filme, Dominik Graf não nos convida a mergulhar na história, não quer que desçamos às profundezas de Berlim como arqueólogos em busca de vestígios dos fascismos; pelo contrário, ele empurra-nos para a superfície. É à superfície que tudo se passa, aqui e agora, em carne e osso, diante dos nossos olhos. Não há fronteira entre o passado e o presente. Só temos de apanhar o metro ou o autocarro, e c...

Masterclass de storytelling

Bárbara passou outra vez na televisão. Gravei. Vale a pena rever os filmes de Christian Petzold; o olhar vai-se desviando da história e encontramos imagens que pouco nos dizem sobre o que está a acontecer, mas que ficam a ressoar na cabeça para sempre. Por exemplo, as cenas na banheira: o pneu da bicicleta e o dinheiro embrulhado à prova de água. Ou no hotel, as raparigas com as pernas ao alto. Quando se deita fora o storytelling , o que fica é cinema. Se não me engano, no Party , de Manoel de Oliveira, Michel Piccoli diz qualquer coisa do género?

Beringelas, músculos, comboios.

Para além dos filmes, Christian Petzold é bom, mesmo muito bom, nas entrevistas. Quando fala sobre cinema, claro: I have a working structure that I’ve used since making The State I Am In (2000). The actors all come to set at 8 a.m. without any makeup, just their costumes. And the only people who are there are them, me, and someone with coffee. We start to rehearse what we want to accomplish on this day, and it takes us three or four hours to find the choreography of it. It takes some time, and the producers want to commit suicide because nothing happens. But we find the choreography, and then we get the cinematographer and the sound and lighting departments, and we show them what we’ve done. When the actors go into makeup, the cinematographer, the editor, and I talk about how we can film this, and it doesn’t take more than a half-hour to make a storyboard. We write it down and then Hans [Fromm] does the lighting and the actors come back. We do one take, and then at four o’clock we c...

Comparações

Christian Petzold gostaria de fazer filmes como as pinturas de Giorgio Morandi – sem anseios por contraste ou descobertas a cada novo filme, com um número limitado de objetos. Nesta entrevista , Christian Petzold diz: se ela (Nina Hoss) fosse um homem, seria Robert Mitchum em The Lusty Men . E sobre Nelly Lenz:  Num Western, ela seria John Wayne .
Phoenix mostra o que é um filme, como se faz um filme. Para além da transformação de Nelly, Christian Petzold também conta uma história do cinema. Os gestos são muito subtis, quase um movimento inconsciente, o oposto de Godard.
Como contar, outra vez, uma história de judeus em fuga? Christian Petzold escolheu um modo arriscado de responder a uma pergunta difícil. Ao transpor a deriva de Georg para o nosso tempo, sem roupa da época, sem símbolos nazis, sem qualquer artifício, “Em Trânsito” adquire uma força potencial — como se fosse filmado sobre um vulcão adormecido. A perseguição não é sequer um facto que podia ter acontecido aos nossos avós ou aos nossos pais; a distância foi suprimida — estamos dentro da fuga, da incompreensão, da vergonha, da infâmia, da burocracia, do desespero. Somos obrigados a pensar o que se passa sem os rodeios da História, de uma forma mais crua, talvez, e também mais sensível. O que acontece, outra vez, ao amor num sistema opressor? Cada uma das personagens tem a sua história para contar e, dadas as circunstâncias, precisa de o fazer o mais depressa possível. O filme vai guardando esses relatos que se assemelham a gritos surdos. Melissa, Driss, o maestro, a arquitecta, o médic...