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Assumir os pressupostos da vida não fascista #7

A CÂMARA NEGRA M. D.  Ela teria falado de muitas coisas, da geografia dos lugares percorridos, do fim do mundo, da morte, da solidão da Terra no sistema planetário, das novas descobertas sobre a origem do homem.  As suas afirmações não teriam vindo nunca de um conhecimento preciso da questão abordada. Ela teria cometido erros — às vezes enormes — sobre… ciência, geografia, as últimas descobertas interestelares.  ZONA INDUSTRIAL DE VERRIÈRES (Saint-Quentin-en-Yvelines). Travelling lateral. Uma fábrica de camiões. Depois, terrenos baldios, depois, ao longe, a floresta. Música. O Camião seguido de entrevista com Michelle Porte,  de   Marguerite Duras. BCF editores, maio de 2025. [Apresentação do livro hoje, às 18h00, na Térmita. Com Eduardo Calheiros Figueiredo e Manuel Sá.]

Assumir os pressupostos da vida não fascista #6

M. P.: No filme, há temas que voltam.  M. D.: Há uma permanência de temas, sim. Não sei muito bem porque é que eles voltam tão regularmente. É o vento, por exemplo. O mar. A criança judia.  M. P.: Gosto muito dessas notas físicas no filme, quando ela fala do vento, da geografia das paisagens…   M. D.: Quando falo da terra do vento, onde nenhuma árvore resiste, onde todas as árvores são massacradas, continuo sem dúvida um certo discurso, mas deslocado. Acabei de rever o texto para ser editado e constatei que estou sempre a falar do vento, do mar também, longe e perto, sempre forte como uma espécie de imagem mental constante, penso que o mar é o que vai chegar, é o que vai engolir tudo na sua pureza, acho que é isso, o vento e o mar, porque, para mim, é o vento do mar. O Camião seguido de entrevista com Michelle Porte,  de   Marguerite Duras. BCF editores, maio de 2025. [Apresentação do livro amanhã, às 18h00, na Térmita. Com Eduardo Calheiros Figueiredo e Manuel ...

Assumir os pressupostos da vida não fascista #5

Não sei para onde vou em O Camião . Ela, a mulher do camião, também não sabe. E isso pouco importa. Eu não sabia quem era essa mulher. Nada. Apenas isto: sabia que havia uma mulher na curva de uma estrada — vi essa estrada na Mancha, na direcção de Vauville — que esperava um camião e havia eu. Isso durante várias semanas. O Camião seguido de entrevista com Michelle Porte,  de   Marguerite Duras. BCF editores, maio de 2025. [Apresentação do livro no próximo sábado, às 18h00, na Térmita. Com Eduardo Calheiros Figueiredo e Manuel Sá.]

Assumir os pressupostos da vida não fascista #4

M. P.: Na projecção desta noite, o aspecto político do filme impressionou-me muito, esta visão completamente desesperada.  M. D.: Desesperada e alegre.  M. P.: No filme você diz: «Que o mundo vá para o inferno, é a única política.»  M. D.: Mas ela vive isso com alegria pois vive a inventar soluções pessoais para o intolerável do mundo, por exemplo o facto de pedir boleia todas as noites inventando a sua vida.  A mulher do camião é-me completamente fraternal, é uma pessoa por quem sinto amor, isso não me acontecia desde India Song , amo-a profundamente, e ao meu redor ela é muito amada, esta mulher do camião, que obviamente não é aceite na sociedade actual, os estalinistas diriam que ela é louca. Como se a alienação em si mesmo fosse uma definição. Os escritores e as pessoas livres são tratados assim. Na sociedade, a liberdade é tratada como a loucura. Esta mulher é livre, ela ri quando ele lhe diz: «Você é uma reacionária», ela ri quando ele lhe diz: «Saiu do hosp...

Assumir os pressupostos da vida não fascista #3

M. D.: Foi tudo filmado entre Trappes e Plaisir, quer dizer, basicamente na capital da imigração em França. Não sei quantos são, talvez um milhão ou dois milhões nesta zona. Todos esses edifícios mortuários que vê foram construídos para eles, são os bancos de ensaio dos arquitectos de Paris. Os franceses fugiram deles. Devo dizer que os portugueses, nos primeiros tempos, também fugiram dos apartamentos que lhes destinámos, para voltarem às suas caravanas e aos seus bairros de lata, porque nos seus bairros de lata estavam juntos, à noite podiam comer juntos, reunirem-se. Havia uma verdadeira comunidade nos bairros de lata. Foi destruída. Foi substituída por esses blocos que vê no filme, esses fabulosos amontoados de alojamentos. Em vez de uma caravana, agora há entre sete e doze casas sobrepostas. Em Pequim é a mesma coisa, no México, em Madrid. Eu prefiro os bairros de lata, sem água, sem conforto, mesmo que faça muito calor, prefiro. O Camião seguido de entrevista com Michelle Porte,...

Assumir os pressupostos da vida não fascista #2

Voz off de M. D.  Ela teria apontado para o mar  [ Pausa .]  Ela diz: veja, o fim do mundo.  A toda a hora  A cada segundo.  Por toda a parte.  Espalha-se.  Ela diz: é melhor, sim.  É tão difícil... tão... tão duro... tão...  É melhor assim. É o melhor.  Não valia a pena, é o que eu acho...  [ Pausa .]  Ela diz: antes, já havia mar, aqui,  Além, veja.  Além.  [ Pausa .]  Ele diz: mas de que é que está a falar? Ela diz: eu falo.  [ Pausa .]  Ela canta.  Ela fecha os olhos e canta. O Camião seguido de entrevista com Michelle Porte,  de   Marguerite Duras. BCF editores, maio de 2025. [Apresentação do livro no próximo sábado, às 18h00, na Térmita. Com Eduardo Calheiros Figueiredo e Manuel Sá.]

Assumir os pressupostos da vida não fascista #1

G. D. Ela fala? M. D. Sim, ela vai falar. G. D. [ Pausa .] Quem é ela? M. D. Uma desqualificada [ Pausa .] Está a ver? G. D. Sim [ Pausa .] M. D. O único elemento em comum entre eles é uma certa violência no olhar. Face a esse vazio diante deles, o Inverno nu, o mar. [ Pausa .] O silêncio no início do filme teria representado a primeira relação entre as personagens. Relação distante, quase indiferente, maquinal. Teria sido uma espécie de estabelecimento de uma relação por vir. G. D. Essa relação vai acontecer? M. D. [ Pausa .] Talvez nunca. G. D. [ Pausa .] O que é que acha? M. D. [ Pausa .] Nunca. O Camião seguido de entrevista com Michelle Porte,  de   Marguerite Duras. BCF editores, maio de 2025. [Apresentação do livro no próximo sábado, às 18h00, na Térmita. Com Eduardo Calheiros Figueiredo e Manuel Sá.]

Tradutores à revelia

Ontem, na Térmita, o Rui confessou que traduziu autores de língua espanhola (pelo menos Oliverio Girondo, Roberto Arlt, Rúben Darío e Virgilio Piñera) sem saber falar espanhol. Eu traduzo do francês sem as devidas credenciais académicas. Acho que devíamos fundar uma associação não profissional de tradutores à revelia.

흰개미

A Térmita é a livraria mais cinematográfica que conheço. Não é só uma questão de livros, aquele sítio mantém intacto o passar do tempo — basta olhar para os tectos, para as paredes, para os caixilhos das portas a descascar. Entra-se por um corredor escuro e lá dentro o espaço tem uma forma estreita e alongada que lhe dá uma atmosfera de coisa proibida (uma espécie de Budapeste para intelectuais solitários, diz a caixa de luz e o holofote vermelho sobre a porta ou as manchas de humidade). E por causa das ligações ao Candelabro, há uma pequena cozinha bem visível onde às vezes se trabalha e uma garrafeira escondida.  Tudo pode acontecer ali; principalmente um filme de Hong Sang-Soo.

Convite para sábado, 9 de Dezembro.

A livraria Térmita fica no Largo de Mompilher, n.º 5, no Porto (porta ao lado do Candelabro). Os Mompilher Rendez-Vous têm o grafismo dos Lina&Nando .