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A mostrar mensagens com a etiqueta Manuel Resende

A Grécia de que falas

Bastava o nome Manuel Resende ou, se quisesse somar qualidades, o trabalho meticuloso do Rui Manuel Amaral e da Tatiana Faia, a intrepidez editorial da Língua Morta. Mas não foi nada disso, o amor também tem minudências: abri o livro à sorte, encontrei a palavra “ganapos” na página 149 e caí na armadilha de uma relação inevitável.

Mesa

Há um protocolo nos filmes de Hong Sang-soo: os personagens devem passar longas sequências à mesa, entre comida, muita bebida e pausas para cigarros. É assim em todos os filmes. A mesa é o lugar das histórias que valem a pena ser contadas. Dessas e talvez mais ainda das que preferimos calar. É o lugar da verdade, quer dizer, o ponto geodésico entre a realidade e a ficção. Enquanto escrevo isto, recebo a mensagem de um amigo: «Estive a ver o Resende a dizer poemas. Vou escrever sobre isso. Nem sei dizer o que sinto ao vê-lo no Facebook e no Youtube. Não é saudade, é mais uma coisa do tipo puta que pariu a vida e quem lá ande . Bom, vou dormir.» O Manuel Resende foi o personagem mais completo de Hong Sang-soo. Não, é ao contrário. O Manuel Resende inventou o Hong Sang-soo.

you make my heart sing

Reactivei as idas à Biblioteca Almeida Garrett (onde, confirmei mais uma vez cheia de vaidade e surpresa, sou reconhecida pelo nome). Para festejar o evento, trouxe Emmanuel Bove traduzido por Manuel Resende e Rachel Kushner traduzida José Miguel Silva. É um alegria pegada, não consigo perceber de qual dos quatro gosto mais.

FIM

(1911) Tomados de temor e de suspeitas, transtornada a mente e os olhos aterrados, nos consumimos e planeamos que fazer para escaparmos ao seguro perigo tão atroz que se aproxima. Mas, erro nosso, não é isso que aí vem. Eram mentiras as notícias (ou não as ouvimos ou entendemos mal). Outra desgraça que não suspeitámos, súbita, fulminante, se abate sobre nós, e indefesos – já não há tempo – nos apanha. Konstantinos Kaváfis 145 Poemas, tradução de Manuel Resende, edição FLOP. 

INTERRUPÇÃO

(1901) O trabalho dos deuses nós o interrompemos, abruptos e inexperientes seres do momento. Nos palácios de Elêusis e Ftia, Deméter e Tétis empreendem boas obras em meio de enormes chamas e fumo denso. Mas sempre surge Metanira dos quartos reais, desgrenhada e aterrada, e sempre Peleu se assusta e intervém. Konstantinos Kaváfis 145 Poemas, tradução de Manuel Resende, edição FLOP. 

Entre o céu e a terra

Estou a pensar naquela árvore que Ritwik Ghatak mostra no primeiro plano de «Meghe Dhaka Tara» e que surge várias vezes ao longo do filme. Uma espécie de enorme nuvem presa ao chão pelo tronco. Essa criatura, meio árvore, meio nuvem, a meio caminho entre o céu e a terra, lembra-me o Manuel Resende .

Pequenas notas sobre um grande amigo

Habituei-me a imaginar que o Manuel Resende sobreviveria a tudo. Em 2017, esteve hospitalizado durante semanas em estado muito grave. Alguns amigos temeram perdê-lo. A verdade é que voltou directamente dos cuidados intensivos para lançar a «Poesia Reunida», em 2018. O livro de poemas português mais importante deste século. Cada novo leitor que esse livro conquistou é como um sinal de que o nosso mundo entrou nos eixos. A grande poesia do Resende deixou de ser um segredo guardado por meia dúzia de leitores fanáticos. O mapa literário do país assumiu, por fim, a forma correcta. O Resende não jogou uma única carta neste jogo. Não fez nada para que os poemas fossem mais ou menos conhecidos. Não lhe competia a ele. Ele era apenas um poeta. Escrevia porque tinha de escrever. Os três livros que publicou, antes da «Poesia Reunida», de 2018, surgiram por intervenção de amigos ou em resposta a convites de editores. A «Poesia Reunida» também. Não foi o Resende que a propôs e não foi ele q

A reflexão e a acção

A certa altura do teu mail anterior dizias: «Parece-me que é entre estes dois pontos que a nossa vida se joga: a reflexão e a acção.» É curioso, isto faz-me lembrar as plantas. Elas têm uma parte reflexiva e uma parte activa. A parte reflexiva é a parte das folhas, que estão ali à espera que venha o ar e o sol dar-lhes o CO2 e a luz de onde extraem 88% da sua massa. A parte activa são as raízes que furam o solo e exsudam açúcares para os microorganismos que, em troca, lhes dão azoto, potássio, quelatos de ferro, etc., e oligo-elementos, isto é, o resto, muito pouco, da sua massa. Bem, tenho consciência de que isto tudo é um pouco confuso, mas pronto. Um abraço.  manel

Na Provença à procura da orelha de Van Gogh

Na Provença à procura da orelha de Van Gogh Essa orelha que nem o amor criterioso da honrada família Conseguiu preservar do esquecimento, Pobre orelha a que mais ninguém ligou E que está se calhar esperando o seu dono Que não volta, Nessa Provença é que eu estou. A verdade é que nem eu a encontrei, Mas, também, como os outros, não perdi muito tempo a procurá-la. Salvem-se os quadros, vendam-se os quadros Guardados pela criteriosa família E até por descuidados provençais - é o essencial. A orelha, que se lixe, não se pintam quadros com orelhas. As orelhas são para os músicos, e mesmo esses, Às vezes já só tocam música interior. Vicente, meu velho, em verdade te digo, Que por aqui as plantas andam a tentar imitar-te E, tantos anos depois, ainda não conseguiram. Elas bem se torcem, elas bem chamam o sol, Que todo se estremece, Elas bem se encostam ao céu, Elas bem se verde, elas bem se azul, elas bem se amarelo. Eu sei, eu sei, Vicente, muito te custou, Talvez até

Manuel Resende

Às vezes ocorrem-me lembranças que não sei se sonhei ou se foi alguém que mas contou. Certas histórias sobre o Manuel Resende, por exemplo. Creio que foi o Osvaldo Silvestre que me disse que o Resende aprendeu alemão a traduzir O Capital , de Karl Marx, uma palavra após outra, com a ajuda de um dicionário. Mais tarde, traduziu o melhor Freud que li em português. E Brecht, Schnitzler, Kafka. Também já não sei se ouvi ou li, ou talvez tenha sonhado, que o título do primeiro livro do Manuel António Pina, Ainda não é o fim nem o princípio do mundo calma é apenas um pouco tarde , publicado em edição de autor, em 1974, foi-lhe soprado pelo Manuel Resende. Foram colegas de redacção no Jornal de Notícias , companheiros de tertúlia no Piolho e amigos até ao fim. De resto, ainda são amigos e sei que falam todos os dias. Porque os mortos deitaram o corpo dentro de nós. [Resende, 2004] Li o Manuel Resende muito antes de o conhecer pessoalmente. Comecei pela tradução de A Caça ao Snark , do Ca