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Vinha do supermercado com um saco de compras quando começou a chover intensamente. Do outro lado da avenida, umas pessoas correram para se abrigarem debaixo da pala do edifício junto à bomba de gasolina. Atravessei, mas quando lá cheguei tinham desaparecido. O vento era tão forte que virou o meu guarda-chuva ao contrário e já estava com as botas e as calças todas molhadas quando alguém abriu a porta e me chamou: — Entre, abrigue-se aqui.  Entrei. No pequeno átrio do edifício estavam seis pessoas (três mulheres e três homens) de roupas escuras, os cabelos molhados, a olhar para a chuva através dos vidros embaciados; de vez em quando diziam alguma coisa. E eu pensei: — Caramba, isto parece mesmo o princípio de um filme.

É aí que ele encontra o seu melhor alimento

Ora, estas mesmas pessoas não só estão atemorizadas, como são ao mesmo tempo temíveis. Quando vêem enfraquecer aqueles mesmos que ainda agora temiam, o estado de espírito passa da angústia para o ódio declarado. E não é só na Europa que se encontram grupos desta espécie. O pânico condensa-se, no momento em que o automatismo aumenta e se aproxima de formas perfeitas, como na América. É aí que ele encontra o seu melhor alimento; expande-se através de redes que competem em rapidez com o relâmpago. Já a necessidade de receber informações várias vezes por dia é um sinal de angústia; a ilusão cresce e paraliza-se em rotações aceleradas. Todas estas antenas das cidades-cogumelo assemelham-se ao cabelo eriçado. Eles desafiam os contactos demoníacos. Está visto que o Leste não constitui uma excepção. O Ocidente tem medo do Leste e o Leste do Ocidente. Vive-se em todos os pontos do mundo na expectativa de ofensivas temíveis. Em alguns deles, acrescenta-se o medo de uma guerra civil. O mecanismo

Porque imaginam o gozo

Para proteger o Estado, tudo se justifica. Também é verdade que à maior parte das qualidades sádicas, que todos possuímos, é dada rédea solta na peça [One for the Road] . O público sentiu medo - mas era medo de quê? Medo não apenas de estar na posição da vítima, mas também um medo nascido do reconhecimento deles próprios no interrogador. Porque imaginam o gozo que é ter o poder absoluto. Harold Pinter numa conversa com Nicholas Hern, Fevereiro de 1985. Tradução de João Saboga.

Saint Omer, de Alice Diop

Laurence Coly é uma infanticida confessa. Abandonou a filha de quinze meses uma noite, numa praia do norte de França, durante a maré alta, para que o mar a engolisse. O pequeno corpo sem vida deu à costa pouco tempo depois, sendo descoberto por um pescador. Quando o julgamento começa, a juíza pergunta a Laurence por que razão matou a filha. Ela diz que não sabe e que espera que o julgamento a ajude a encontrar uma resposta. Nesse exacto momento, o filme entra em absoluto estado de graça. Sai da treva e entra na luz, sai da luz e cai num abismo. O princípio e o fim unem-se no mesmo ponto: o coração do mistério. O filme é sobre essa esperança, alimentada por um medo que vem do fundo dos tempos, de um dia encontrarmos uma resposta, compreendermos qualquer coisa.

O vestido vermelho

Leio O Vestido Vermelho , do Dagerman, pela primeira vez. Há muito que tenho o livro na estante (tradução maravilhosa de Irene Lisboa, Estúdios Cor, 1958), mas por uma razão ou outra fui adiando a leitura. Não, não foi por uma razão ou outra. Sei muito bem porque adiei este encontro. É um livro perfeito, terrível. Metade papel, metade espelho. Mete medo.

Aprender a ter medo

A partir de uma certa idade, passamos a vida a fazer rastreios. Como se houvesse uma coisa má dentro de nós. Ou pior ainda: nem uma dúvida quanto à sua existência apenas não sabemos onde se esconde — como no filme Tubarão . Também é para isso que existe o cinema, para aprendermos a ter medo.  ( take 2 )  Tenho dentro da cabeça muitas frases e ideias de Jorge Silva Melo sobre Pavese, Renoir, Kleist, Tati, Bohumil Hrabral, etc. etc. Por exemplo, foi com ele que aprendi a ligar o medo do Tubarão a Harold Pinter: Sim, ficaremos em minha casa, fechadinhos como o capitão na Cabina do "Tubarão" de Spielberg, com o perigo lá fora (tão pinteriana essa parte do filme...)

Livro I, capítulo I, primeira palavra.

Esta manhã, vimos a exposição de R.H. Quaytman. Quase no fim, há um quadro onde a artista representa um livro - toda a exposição é organizada em torno das ideias de livro e de capítulos de um livro - com a inscrição «Book One: Fear». É perfeito. O capítulo inicial de qualquer livro deveria intitular-se «Medo». E a primeira palavra de qualquer primeiro capítulo também. É aí que tudo começa.

O medo

Os outros têm medo de nós porque nós temos medo deles. Nós temos medo dos outros porque eles têm medo de nós. As máscaras não quebram o círculo vicioso. Pelo contrário, são a mais pura expressão gráfica deste estranho terror.

Milledgeville, Geórgia.

Flannery fez vários convites para que Elizabeth a visitasse na propriedade rural "a algumas milhas de Milledgeville". A poeta nunca foi.  Em uma carta posterior, enviada a Robert Giroux, ela lamenta não tê-la visitado, para depois confessar, entre parênteses: "Acho que eu tinha "medo" da Flannery!".

Da Corujeira à Foz

Quem anda pela cidade percebe que o medo do contágio também tem uma geografia. Enquanto na parte oriental nota-se já — ou ainda — uma certa descontração (os pobres estão habituados a tudo). Nas zonas mais ricas a apreensão é maior: as pessoas fecham-se em casa, só saem de carro, usam máscaras, luvas e tudo que puderem para se proteger. Não é só medo da doença.