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A mostrar mensagens com a etiqueta Luis Buñuel

Ter ou haver

HAMLET: Ter ou haver a podridão é essa. AGRIFONTE: Isto já é demais. (Vai ao município apanha o documento e volta) Hamlet, meu amigo, teu pai, o bom pai que te deu esta história, acaba de falecer incauto. HAMLET: (Extraviado, rindo com infinita amargura) Ah, ah, ah... Meu pai deu-me o conto. E que conto! J'en pense le plus de mal possible. O ESPECTRO DO PAI: (Aparecendo) Senhores, a comida está na mesa. Saem todos. A paisagem agora vazia lembra um daqueles envergonhados particípios que faziam a delícia dos nossos ancestres. Luís Buñuel, Hamlet - Tragédia cómica, Acto terceiro, Cena II. Tradução de Mário Cesariny.

¿Qué te pasa?

A Regina Guimarães pode estar entretida com o seu bordado, mas mal levanta a voz percebemos que é uma verdadeira amazona: tem arco, cavalo e as suas palavras não se desfazem no ar.  Ontem, na sessão d' O Espírito da Colmeia , entre muitas coisas certeiras, ela disse que Isabel é uma personagem buñueliana.  Entusiasmada com a ideia, fiz uma ligação particular a Ema de Manoel de Oliveira (talvez por influência da casa ) e, de repente, o filme de Erice ganhou um novo movimento dialéctico.

A secreta negrura do leite

A trombeta de Gabriel

Num dos textos que escreveu para o Curso de Crítica de Cinema do Batalha , Inês Sapeta Dias fala de programação como se fosse (também) um tipo de montagem que manobra, não ao nível dos planos e das sequências, mas na justaposição de filmes — uma espécie de movimento macroscópico. Apesar de exterior, trata-se de um gesto extremamente poderoso que qualquer um (?) pode fazer desde que se afaste um pouco (quem explica bem este grau de medida incerto-mas-importantíssimo é Agamben). Mesmo quando se trata de uma carta aberta para enquadramento das suas próprias obras, os cineastas agem como alguém que vê de fora, como um programador que acredita que é possível estabelecer diálogo entre trabalhos diversos e que esse diálogo pode alterar o modo como daí para a frente passamos a ver esses filmes e que isso também é cinema. Inês refere que passou a pensar nos filmes de Jean-Claude Rousseau de outra forma depois de os ter visto ao lado d' O Anjo Exterminador : apesar de nos darmos con...

Social-sanitarismo

Uma conhecida colunista do jornal Observador queixa-se de que vivemos sob uma espécie de «ditadura social-sanitária»: «Somos as cobaias de uma nova forma de governar: o social-sanitarismo.» Leio isto e ocorre-me, de imediato, a maravilhosa sequência do jantar burguês em O Fantasma da Liberdade . Os comensais instalados em sanitas e satisfazendo livremente as suas necessidades fisiológicas à mesa. Quando têm fome, levantam-se e fecham-se na casa de banho para comer.

Covelo

Levanto-me cedo e saio. Preciso respirar um pouco antes de retomar o trabalho. Para evitar o ruído e o fumo dos carros, escolho ruas secundárias até chegar ao Covelo. Na pequena alameda do parque, e seguindo as «subtis voltas do acaso», as árvores parecem-me fazer raccord com a sequência inicial de Belle de Jour . Estou certo de que, a qualquer momento, começarei a ouvir os guizos de uma carruagem. Mas nada acontece. Não é um Outono ameno. Não é Paris. Não é a luz de Buñuel. Volto para casa. Afundo-me no trabalho. Mais um dia.

Tipos de confinamento: o confinamento nas alturas

Luis Buñuel, Simão do Deserto , 1965.

25.000 dólares

Quando o filme [«O charme discreto da burguesia»] foi nominated ou seja seleccionado para os Oscares de Hollywood (...) quatro jornalistas mexicanos que eu conhecia conseguiram localizar-me e vieram almoçar ao restaurante El Paular . Durante o almoço, fizeram-me perguntas e tomaram notas. Evidentemente, não deixaram de me perguntar: - Don Luis, pensa que vai ganhar o Oscar? - Com certeza, respondi-lhes com o ar mais sério do mundo. Já paguei os 25.000 dólares que me pediram. Os americanos têm muitos defeitos, mas são homens de palavra. Os mexicanos tomaram-me à letra. Quatro dias depois, os jornais mexicanos anunciam que comprei o Oscar por 25.000 dólares. Escândalo em Los Angeles, telex atrás de telex . Silberman chega de Paris muito chateado e pergunta-me que bicho me mordeu. Respondi-lhe que tinha sido uma brincadeira inocente. As coisas acabaram por se acalmar. Passam três semanas e o filme ganhou o Oscar. O que me permite confirmar: Os americanos têm muitos defeitos mas são...

Marxismo cultural — a santíssima trindade

Devemos ficar do lado dos oprimidos em todas as circunstâncias, mesmo quando não têm razão, sem esquecer, porém, que eles foram amassados ​​na mesma lama que os seus opressores. Emil Cioran , Do inconveniente de ter nascido. É a terceira vez que apanho este pensamento bem formulado.  Cioran depois de Luis Buñuel (Tristana) e Thomas Bernhard (O sobrinho de Wittgenstein) .

A febre

Éramos talvez umas seis ou sete pessoas no cinema. De máscara e espalhadas pela sala. Sessão dupla de Buñuel: «Simão do deserto» e «A febre sobe em El Pao». No final, imediatamente antes da sala se iluminar, lemos em fundo negro a última frase dos créditos de «A febre...»: «Les Films Corona.»

Baratas tontas

Nos últimos dias, o governo não se tem poupado a esforços para convencer as pessoas a saírem de casa e a fazerem compras. Apesar disso, as ruas e as lojas continuam quase vazias. Os portugueses estão a resistir ao desconfinamento. «Por causa do medo», dizem os jornais . «O Anjo Exterminador» desceu decididamente sobre nós em todo o seu negro esplendor. Há uns três meses, o filme de Buñuel seria ainda uma obra delirante e subversiva, um exemplo perfeito da regra surrealista de «abrir todas as portas ao irracional». Hoje, o frágil muro que separa o real do surreal caiu definitivamente. O mapa das correntes artísticas está de pernas para o ar. É fácil imaginar os corredores das universidades de artes e letras cheios de baratas tontas, a correrem desatinadas, para a frente e para trás.

Anjo exterminador

Sete dias fechado em casa. A impressão é a de que estou dentro da cabeça de Buñuel, simples títere da sua imaginação, actor involuntário de «O Anjo Exterminador».

Nem um sopro de vida

As minhas ideias políticas mais importantes vêm de textos e filmes clássicos (Sófocles, John Ford, Kleist, Büchner, por aí fora), de um filme de Buñuel, do livro do Genet sobre Giacometti e, se não me engano, d’ O Sobrinho de Wittgenstein. Passo os olhos pelos programas eleitorais (não os consigo ler na íntegra); parecem chicletes velhas.