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A mostrar mensagens com a etiqueta Porto

O pé ateu

Mudei de trabalho. Agora, do meu gabinete, que fica num antigo mosteiro beneditino, ouço o sino dos Clérigos a marcar as horas e, ao fim da tarde, pequenos concertos de carrilhão. Não consigo evitar: de repente, foge-me o pé ateu para a nostalgia do paraíso.
(...) Ora, para concluir e regressando às paragens de metrobus , Rui Moreira preferiria umas “coisas levezinhas, envidraçadas”, quase invisíveis, para não perturbar as vistas idílicas da burguesia local. Ora, talvez me aventurasse a dizer que, para Álvaro Siza, que conserva ainda um sentido profundo e social daquilo que é fazer uma cidade — ao contrário do autarca portuense —, as paragens desenhadas em betão correspondem precisamente ao gesto arquitectónico de procurar marcar e tornar visível no espaço urbano aquilo a que a classe a que Rui Moreira pertence tende a não aceitar: o facto de a cidade não ser apenas a sua propriedade exclusiva, mas de todos. Nada há de mais social e definidor do território urbano do que esses pequenos equipamentos públicos tantas vezes desqualificados (inclusive pela própria CMP). São estes, na verdade, os grandes monumentos da vida quotidiana das cidades e dos seus moradores; e não certamente as vivendas privadas endinheiradas e kitsch da Avenida do Ma...
Painéis do Porto (1963), de António Reis.

Psychopathia criminalis

A câmara do Porto tem um plano para controlar a população de gaivotas e eliminar de imediato os indivíduos «psicopatas». Estou a citar o termo usado pelos especialistas e reproduzido nos jornais.  E como se identificam as «gaivotas psicopatas»? Pelo «comportamento agressivo e repetitivo». Em tempos, durante um surto psicótico que afectou muitas aves no Palatinado, e que custou à região terríveis devastações, Oskar Panizza propôs um método mais simples e benigno: «Recolhimento em espaços amenos, tratamento suave, banhos correctamente temperados, sossego e o conselho amigo de um ornitólogo.» Além de um pouco de hiosciamina ou de brometo de potássio .

Tripeiros

Na lista de sobremesas de uma churrascaria da Baixa, agora maioritariamente frequentada por turistas, «Toucinho do Céu» foi traduzido por «Bacon Sky». O velho tripeiro está a morrer, mas ainda estrebucha.

Um turista mexeu

Notícia no jornal: «O relógio da Torre dos Clérigos, no Porto, está atrasado 40 minutos desde segunda-feira, após um turista ter mexido num dos seus veios mecânicos.»  De repente, um turista trapalhão lança toda a cidade num salto mirabolante pelo abismo do tempo. Um pequeno gesto involuntário e o Porto passa a ser o único lugar do mundo que avança segundo uma escala temporal diferente. 40 minutos, 40 horas, quem sabe 40 anos fora do tempo. Ou simplesmente — outra hipótese — o turista não resistiu ao apelo erótico do veio mecânico do relógio dos Clérigos e tocou-lhe. Com a ponta dos dedos, com a mão toda, talvez.

O preço das coisas

Dois tipos falam de negócios no Piolho. Um jogador que vai ser transferido e render não sei quantos milhões. Outro que custou uma quantia faraónica e que nem sequer joga. A gestão dos activos que tem sido ruinosa. As opções de investimento que têm de ser mais ousadas. Etc., etc. O café e a meia torrada, felizmente, ainda custam o mesmo.

Os pássaros do Marquês

Um bando de publicitários decidiu pendurar nas árvores do Marquês um sistema de som que reproduz, sem descanso, o canto gravado de vários pássaros. Apesar do barulho do trânsito, o monstruoso chilreio ouve-se em toda a praça e nas ruas mais próximas. As aves de carne e osso, tomadas de pavor, voaram para longe. Nem os pardais ficaram. Espécie esquisita de gentrificação.

A estátua de Camilo na Cordoaria

Não conheço ninguém que goste da estátua de Camilo na Cordoaria. Em três dias, porém, transformou-se num símbolo de resistência contra o snobismo parolo dos «ilustres» da cidade . Agora, sim, aquela coisa de bronze tem um significado. A estátua mal amada já não sai da Cordoaria. E espero que nunca saia.

Uma espada talvez

Há no Cemitério da Lapa um grande anjo que se vê da Rua Antero de Quental. Eleva-se acima do muro alto, pousado no telhado de um mausoléu e com o braço direito erguido para o céu. Na verdade, o anjo segurava qualquer coisa que entretanto desapareceu. Talvez um estandarte, uma luz, uma espada talvez. O anjo parece estar sempre amuado, a cismar naquilo.