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A mostrar mensagens com a etiqueta Laurie Anderson

O mar, o mar

Voltei a sonhar com o mar: estávamos a mudar o sistema operativo do mar numa cabine lá no alto, uma espécie de farol horizontal sobre as dunas. Não sabíamos como é que aquilo ia correr, nunca tinha sido feito. Havia água a toda a volta mas era o mar à frente que metia medo pois as correntes eram muito fortes e deixavam sulcos profundos. O mar parecia um desenho feito de cabelos azuis e castanhos e estavam todos enredados e sombrios. De manhã, no metro, tentei guardar as imagens na memória e, talvez porque se sentou ao meu lado um rapaz a ler uma bíblia com capa castanha, logo a seguir ocorreu-me que deus também podia ser um sistema operativo —  mas isso não é um cliché?   Foi aí que percebi: ei, lá estou eu a escrever canções para a Laurie Anderson .

De que cor é a quarta-feira?

Num artigo publicado num semanário britânico, um professor diz que colocar-se questões de metafísica não faz mais sentido do que perguntar: «What is the colour of Wednesday*»?  Emil Cioran, Cadernos 1957-1972 * Podia ser o título de uma canção da Laurie Anderson.

E depois.

(...) Ou talvez a própria vida seja uma espécie de arte de má qualidade. Não tem enredo propriamente dito e os temas são arbitrários e confusos. Uma história vai decorrendo e depois é abandonada e depois as personagens reaparecem e depois morrem sem razão aparente e sem seguir uma ordem dramática particular.  E temos tantas vozes interiores que nos dizem o que devemos pensar, o que devemos fazer, onde devemos ir. É como se houvesse demasiados argumentistas a trabalhar a noite inteira, como os autocarros vazios que circulam pela cidade durante a noite, sem passageiros. Como que em piloto automático.  E depois, por baixo disso tudo, está o subconsciente. Sempre a tentar comunicar. Mas o problema é que não pode usar palavras. Não conhece nenhuma palavra. Por isso mostra-nos coisas. Vês este azul? O que é que te faz lembrar? E uma pessoa pode passar anos a tentar decifrar estas mensagens.  E depois há os buracos da linguagem. Cá está um. Vou esconder-me aqui durante alguns minutos antes de
And here we are in the Bardo, in the pause between two realities,  in a time when nobody knows what's next.

Desde que o samba é samba é assim

Há uma história da Laurie Anderson sobre Thomas Pynchon muito engraçada. Ela queria fazer uma ópera baseada em Gravity’s Rainbow. Ele concordou, desde que a peça fosse escrita apenas para banjo. Parece uma história zen — quer dizer, tem o mesmo tipo de humor e leveza. Para além do divertimento de juntar Laurie Anderson e banjo na mesma circunstância, o raciocínio de Pynchon com recurso a locução subordinativa condicional é muito útil. Por exemplo, esta vontade das entidades patronais medirem a temperatura dos trabalhadores. Porque não? Desde que seja no cu.

A fim de Wittgenstein

Vinha a descer Antunes Guimarães e, sem dúvida por causa do sol quente (o letreiro da farmácia marcava 18°), lembrei-me de fazer uma lista de músicas para Ludwig Wittgenstein. Já existe esta. Mas não estava a pensar nas preferências do filósofo —  é ao contrário; as músicas é que estão a fim de Wittgenstein ou de qualquer coisa que Wittgenstein tem. False documents (Laurie Anderson), Vitamin (Kraftwerk), In a manner of speaking (Tuxedo Moon), Bach: The Goldberg Variations — todas as versões de uma ponta à outra (Glenn Gould), Language is a virus (Laurie Anderson), I'm the walrus (The Beatles), Ohm, sweet Ohm (Kraftwerk),  4’33’' (John Cage), Proverb (Steve Reich), If you can't talk about it, point to it (Laurie Anderson),

Teoria dos factos discordantes

A informação saltou para os jornais e noticiários, rodopiou para aqui e para ali. Não se pretende parar para pensar, a verdadeira intenção é girar e assustar — uma e outra vez pelo medo e pela culpa. Jerónimo de Sousa fez a pergunta mais sensata: quem pagou o estudo feito pelos especialistas? Convém lembrar que a Jerónimo Martins continua a ser uma das empresa com maior disparidade salarial. E a Sociedade Francisco Manuel dos Santos transferiu-se para a Holanda para escapar aos impostos ou, como dizem os seus especialistas em fluxos financeiros e paleio mole: “a Holanda dá-nos uma garantia de protecção do investimento no estrangeiro que Portugal não dá.” Os especialistas que só nos querem ajudar são sempre os especialistas que nos querem foder. Em inglês diz-se assim:  only an expert can deal with the problem .