Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens com a etiqueta FLOP

São horas de embriaguez

Leio no jornal que Vitor Escária tinha 75.800 euros «escondidos em livros e dentro de caixas de vinho», no seu gabinete, em pleno Palácio de São Bento.  Parece-me óbvio que o chefe de gabinete do primeiro-ministro é um leitor atento de Baudelaire e admirador da nossa edição  Embriagai-vos . Este é um dos perigos de ser um pequeno editor: inspirar o crime sem levantar suspeitas. Ninguém viu, ninguém leu.

Gralha

No sábado, na apresentação de um livro muito querido, descobrimos uma gralha. A frase que está impressa na página 14, e que escapou a três ou quatro revisões, diz o seguinte: «Um templo, cujos muros estão cobertos de emblemas, imagens e mandamentos da divindade.» E a versão correcta é: «Um tempo, cujos muros estão cobertos de emblemas, imagens e mandamentos da divindade.» Um templo e um tempo . Será realmente uma gralha?

O saké tem um gosto amargo como um insecto

À primeira vista — quer dizer, enganadoramente — O  Gosto do Saké  ( Sanma no Aji ) é mais um filme japonês sobre o casamento, sobre as relações entre pais e filhos; pode-se até mesmo dizer que é uma espécie de compêndio ( monogatari ). Aceitemos a premissa.  A personagem principal chama-se Hirayama Shihei: viúvo, cinquenta e tal anos. Sabe-se que entrou para a Academia Naval Imperial Japonesa depois do liceu e foi oficial naval de carreira até 1945. Quando a guerra acabou e o Japão ficou de rastos, um amigo (talvez Kawai) arranjou-lhe emprego e ele conseguiu aguentar-se e vingar. Durante a acção do filme é director numa fábrica (faz parte da pequena burguesia urbana que vive mais ou menos desafogada e que Ozu gosta de filmar). Tem três filhos: Koichi, o mais velho, casou há pouco tempo e vive com a mulher num pequeno apartamento; Michiko e Kazuo ainda vivem com o pai. Mantém relações com alguns colegas do tempo do liceu com quem costuma comer, beber e jogar. Dois deles, Kawai e Horie,

Se tem cauda é o diabo

Depois de analisar profundamente a imagem, cheguei à conclusão que se trata de uma desgarrada. Eu e o Ventura, numa voz tão baixa que não se percebe nada.  Agradecimentos à  Linha de Sombra  por enquadramentos tão generosos.

Número zero

O livro é mais dos flops do que meu : eles é que tiveram, têm, a perseverança (uma espécie de fé?); o trabalho de desbastar os textos e dar-lhes um aspecto belo entre monólito e túnel (ainda por cima, o Luís caprichou num “C” que parece quase um zero — e o que eu gosto da palavra quase e do número zero ).  O último texto foi escrito há oito anos, mas parece-me que foi há oitenta tão distante me encontro dessa c. que se entusiasmava mais do que necessário com os filmes. É uma espécie de livro póstumo, mas também é verdade, como me explicou a Alexandra , que todos os livros são póstumos. Voilá, c' est fini — o negro fica-lhe bem. 

O espelho

Um homem medonho entra e olha-se ao espelho. «Porque é que o senhor se olha ao espelho já que só com desprazer se pode lá ver?» O homem medonho responde-me: «Senhor, segundo os imortais princípios de 89, todos os homens são iguais em direitos, logo tenho o direito de me mirar. Com prazer ou desprazer, isso só à minha consciência diz respeito.» Em nome do bom senso, eu estava sem dúvida certo. Mas do ponto de vista da lei, ele não deixava de ter razão. Charles Baudelaire, Embriagai-vos | Antologia de poemas em prosa de autores franceses. Tradução de Regina Guimarães. Em co-edição (FLOP) até 11 de Outubro. Para ser co-editor é só seguir o link.

Pois bem, seja!

O homem e eu, enclausurados dentro dos limites da nossa inteligência como amiúde um lago dentro de uma cintura de ilhas de coral, em lugar de unirmos as nossas forças respectivas para nos defendermos contra o acaso e o infortúnio, afastamo-nos, estremecendo de ódio, optando por duas estradas opostas, como se nos tivéssemos ferido reciprocamente com a ponta de uma adaga! Dir-se-ia que cada um compreende o desprezo que inspira ao outro: empurrados pelo móbil de uma dignidade relativa, esforçamo-nos por não induzir em erro o nosso adversário – cada um fica do seu lado e não ignora que a paz proclamada seria impossível de manter. Pois bem, seja!  Isidore Ducasse, Cantos de Maldoror: Canto IV, Estrofe I .  Tradução de Regina Guimarães. Em breve, numa edição FLOP .

FIM

(1911) Tomados de temor e de suspeitas, transtornada a mente e os olhos aterrados, nos consumimos e planeamos que fazer para escaparmos ao seguro perigo tão atroz que se aproxima. Mas, erro nosso, não é isso que aí vem. Eram mentiras as notícias (ou não as ouvimos ou entendemos mal). Outra desgraça que não suspeitámos, súbita, fulminante, se abate sobre nós, e indefesos – já não há tempo – nos apanha. Konstantinos Kaváfis 145 Poemas, tradução de Manuel Resende, edição FLOP. 

INTERRUPÇÃO

(1901) O trabalho dos deuses nós o interrompemos, abruptos e inexperientes seres do momento. Nos palácios de Elêusis e Ftia, Deméter e Tétis empreendem boas obras em meio de enormes chamas e fumo denso. Mas sempre surge Metanira dos quartos reais, desgrenhada e aterrada, e sempre Peleu se assusta e intervém. Konstantinos Kaváfis 145 Poemas, tradução de Manuel Resende, edição FLOP. 

Da garrafa saem vapores espirituosos

São trinta páginas. Facilmente poderíamos dizer que "Três horas esquerdas" de Daniil Kharms é um livro pequeno, ou até um livrinho. Desenganem-se, o tamanho é um embuste (de Daniil Kharms, sempre; da editora Flop só para começar), e diminutivos não servem à obra. Os textos de Kharms — é assim que o vou nomear por causa do "h" aspirado, dos tormentos, do charme e de Sherlock Holmes (ler explicação na valiosa apresentação feita pelo tradutor Júlio Henriques) — são densos, quimicamente densos, isto é: em cada um dos 14 textos que compõem o livro há muita matéria concentrada. Kharms é perigoso e escreve como quem lança bombas; desde a primeira palavra, tudo aponta para o desastre — um desastre formidável mas também bastante cómico. E desagradável; desagradável é uma propriedade que Kharms usa como se fosse uma écharpe esvoaçando enquanto ele conduz um descapotável vermelho em excesso de velocidade (é curioso como estas histórias nos deixam impressões visuais tão for