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Degraus

Se tivesse unhas, escreveria um ensaio sobre o papel e o lugar das escadas nos filmes de John Cassavetes. Contaria e descreveria o número de sequências em que os personagens sobem e descem escadas. São inúmeras e sempre importantes. Dois exemplos entre muitos: as escadas que separam os dois andares da casa da família Longhetti em Uma Mulher Sob Influência (1974); e as escadas que separam os bastidores e o palco do bar em  A Morte de um Apostador Chinês (1976). Uso a palavra «separam» de propósito. É que as escadas nos filmes de Cassavetes são passagens estreitas, difíceis de subir e descer. Exigem um enorme esforço físico e mental. São fronteiras que rapidamente convertem cada personagem num estrangeiro dentro da sua própria história.

Dezoito

O meu filho faz hoje dezoito anos. Quando eu tinha dezoito, o meu pai, que teria mais ou menos a idade que tenho agora, repetia vezes sem conta, como uma litania, que «tudo passa num ápice». Lembro-me de Myrtle, a actriz de «Noite de Estreia», de John Cassavetes, e da luta sem tréguas que ela trava com o papel que todos insistem em lhe atribuir: o de uma mulher que perdeu irremediavelmente a juventude. Uma luta cujo resultado será sempre a loucura ou a solidão. Em todo o caso, uma derrota. Ela sabe isso, todos sabemos isso, mas o instinto de sobrevivência força-nos a resistir. O meu filho faz hoje 18 anos. Sim, tudo passou num ápice. É como se recebêssemos uma carta que achamos que não nos pertence, apesar de apresentar no sobrescrito, em letras garrafais, o nosso nome e a nossa morada. É isso, não é, pai?