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A mostrar mensagens com a etiqueta A lei do mercado

O mercado a funcionar

Na rua do Almada, mesmo em frente à Mala Voadora, há uma pequena da loja de tralhas e eletrodomésticos. Na montra, quase encostados ao vidro, vi os seguintes objectos: um disco de fogão que cabe num A5, uma cafeteira para um café e até o que me pareceu ser uma máquina de café de cápsulas de bolso. Comecei por pensar que se destinavam a pessoas que vivem sozinhas, mas depois percebi que não era nada disso, estes objectos minúsculos são para as pessoas que vivem em espaços reduzidos, em quartos ou camas amontoadas em lojas ou garagens. A normalização começa assim, quando o mercado se adapta. E o mercado até gosta desta ideia de ocuparmos vivos o pequeno espaço que vamos ocupar mortos. E pagarmos muito por isso. Rende mais.

As paixões tristes

Na ordem cósmica do mercado, como são os técnicos a ser chamados a governar a crise dos Estados para pôr em ordem a economia, também devem ser considerados «técnicos» aqueles a quem é confiado o tratamento da crise psicológica que deriva da falência individual. As paixões do cosmos neoliberal são, de facto, tristes : frustração, impotência e inadequação são os sentimentos predominantes, dependentes de uma performance que não produziu o lucro esperado pelo mercado, ou de uma avaliação negativa das skills que um investimento individual insuficiente não conseguiu tornar competitivas. É, pois, como «técnicos da crise» que os psicanalistas e psicoterapeutas Miguel Benasayag e Gérard Schmit se sentem considerados pela sociedade, e perguntam-se: «Existirá hoje uma real incapacidade de assumir uma situação de angústia, porventura ampla e generalizada, sem considerá-la, acima de tudo, um problema da técnica ?» Segundo os autores de Les passions tristes [As paixões tristes], as crises psicoló

Quatro por quatro

Imaginemos um díptico. A face da esquerda está em branco. Na face direita podemos ver  A lei do mercado , de Stéphane Brizé. Se, num exercício, tivesse de preencher a face em branco e completar o díptico, escolheria Chronique d'un été , de Jean Rouch e Edgar Morin. Uma das histórias mais impressionantes de Chronique d'un été é a de Angelo, o operário da Renault que diz trabalhar vinte e quatro horas por dia: acorda às cinco da manhã, segue de transporte até à fábrica, cumpre uma jornada de nove horas de trabalho, regressa a casa, come e dorme para recuperar energias, e começa tudo de novo às cinco da manhã do dia seguinte. Um dia após o outro, sem pausas. Dormir, diz ele, faz parte do trabalho. O que mudou entre a história de Angelo e a de Thierry, o personagem de Brizé, que trabalha como segurança num supermercado dos nossos dias para «ganhar a vida»? Em  A lei do mercado , há uma sequência em que Thierry e a mulher estão a aprender a dançar rock, naquele que é o único mo