Num certo sentido, os mortos são criaturas dóceis. Posso afirmar — com leviandade mas sem oposição — que Cioran escreveu estas notas depois de ter lido a crónica de hoje do Guerreiro: «Tenho uma percepção tão directa dos desastres que o futuro nos reserva, que me pergunto onde ainda encontro força para enfrentar o presente. (...) Se pudéssemos ver o nosso futuro, enlouqueceríamos de imediato. (...) Por mais desiludidos que sejamos, um dia havemos de parecer necessariamente ingénuos, pois o futuro excederá em muito as nossas visões mais sombrias. (...) O meu tempo não é o tempo da acção: agir é viver no presente e no futuro imediato. Mas eu só vivo no passado longínquo e num futuro ainda mais longínquo. Diz-se (diz a ciência) que a Grã-Bretanha ficará completamente submersa e coberta de água daqui a quinhentos mil anos. Se fosse inglês, bastaria esse facto por si só para me paralisar e para justificar a minha recusa à acção.»
de Cristina Fernandes e Rui Manuel Amaral