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A mostrar mensagens com a etiqueta Cesare Pavese
Que diremos (pergunta) se as coisas naturais — fontes, florestas, vinhas, campos — forem um dia absorvidas pelas cidades e desaparecerem, e apenas se encontrarem em frases antigas? Serão como os deuses antigos, as ninfas, a natureza sagrada que emerge dos versos gregos. Então a simples frase «havia uma fonte» nos comoverá. Cesare Pavese ( Il Mestiere di vivere ), citado por Manuel de Seabra no prefácio a "A Lua e as Fogueiras",  livros de bolso Arcádia, 1958 (tradução corrigida).

Depois virá aquela morte

Só ontem me apercebi que os campos, as vinhas e o trigo, o céu e as nuvens, as árvores e a terra, o som dos insectos e dos pássaros, a água a correr, tudo isso que vemos e ouvimos na segunda parte de Dalla nube alla resistenza nas deambulações do bastardo por Santo Stefano Belbo — é Nefele sentada no ramo da árvore.  Como Olimpia Carlisi avisara, as coisas mudaram no alto dos montes, os homens já não se misturam com as ninfas das nascentes e dos montes, com as filhas do vento, com as deusas da terra ; uma mão mais forte impede esse movimento. A potência da natureza transformou-se numa paisagem— ainda bela e inebriante, porém sem encontros nem diálogos.  Mas até essas imagens parecem tão longínquas, vindas de um passado recente (o filme é de 1978) que nos foge — quase arqueológicas? Onde existe ainda aquela terra? Por quanto tempo será viva? Temo que vivamos já depois do último plano do filme, depois da música de Gustav Leonhardt. E as palavras de Pavese revelam-se mais escuras do que

Advertência

Podendo, de bom grado se teria passado sem tanta mitologia. Mas estamos convencidos de que o mito é uma linguagem, um meio de expressão — quero dizer, não uma coisa arbitrária mas antes um viveiro de símbolos a que pertence, tal como a todas as linguagens, uma particular substância de significado que mais nada poderia dar. Quando repetimos um nome próprio, um gesto, um prodígio mítico, exprimimos em meia linha, em poucas sílabas, um facto sintético e compreensivo, um miolo de realidade que vivifica e alimenta todo um organismo de paixão, de estado humano, todo um conjunto conceptual. Se depois este nome, este gesto nos for familiar desde a infância, desde a escola — tanto melhor. A inquietude é mais verdadeira e cortante quando agita uma matéria costumeira. Aqui contentámo-nos em servir-nos de mitos helénicos dada a perdoável voga popular destes mitos, dada a sua imediata e tradicional aceitabilidade. Temos horror de tudo o que é incompleto, heteróclito, acidental, e tentamos — até mat

Selfie XII

Pareço as testemunhas de Jeová da rua a tentar convencer os fiéis a irem à sessão Da Nuvem à Resistência . Até já lhes passo papeizinhos com a palavra do senhor para a mão. 

Duas figuras na paisagem

No capítulo IX d’ O Belo Verão , Amelia conta a Ginia que arranjou trabalho. Como a pintora precisa da duas modelos, tenta convencê-la a posarem juntas. Parece uma cena banal — se calhar até não passa disso e estou a exagerar o envolvimento emocional de Pavese —, mas a minha atenção encrava na forma como Amelia descreve a tarefa. Primeiro, diz: duas mulheres abraçadas (linha 6). A seguir: duas mulheres que estão a lutar (linha 13). E acaba assim: Basta fazermos de conta que estamos a dançar (linhas 14 e 15).

Natureza morta

Ginia estava em pé, diante do cortinado, e em cima da mesa estava um copo sujo e cascas de laranja. — Quando volta o Guido? — perguntou. — Segunda-feira — disse Rodrigues. — Estás a ver? Isso é uma natureza morta — e apontava para o copo. Cesare Pavese, O Belo Verão. Tradução de José Lima. Livros do Brasil. Junho de 2021.

Nesse tempo era sempre uma festa

Só descobri hoje que saiu uma nova tradução d' O Belo Verão (a capa de João da Câmara Leme para a Portugália é mais bonita, mas esta edição resgata o adjectivo). Pode ser mais um sinal do meu crescente alheamento do mundo. Por outro lado, ler Pavese neste verão tardio e sem futuro é um gesto intimamente  pavesiano .

Influenciadores do século XX