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A mostrar mensagens com a etiqueta As Filhas do Fogo

In water

Ontem, por volta do meio-dia, em frente ao mar de Vila Chã, percebi um pouco melhor a estrutura interna d’ As Filhas do Fogo . A maré estava baixa e as ondas rebentavam suave e intercaladamente na areia em três pontos (e às vezes num quarto mais afastado e mais grave). Fechei os olhos. O diálogo passava de um lado para o outro e para o outro e assim sucessivamente. É um som eterno, persistente como uma marcha. Nota contra nota . Uma mulher que espreita, uma mulher que se levanta, uma mulher que caminha: Karyna Gomes, Alice Costa, Elizabeth Pinard. Três corpos num movimento colectivo. Quando tudo colapsa, nesse dia feio que se arrasta há séculos — é essa força de resposta que temos de reencontrar: qualquer coisa que trabalha nos intervalos; um movimento mútuo de não aceitação do destino; a teimosia do povo de Chã das Caldeiras (uma lição) . Ah, se a música conseguir ajudar-nos a transformar o sofrimento em alegria, como dizia Olga. Se conseguirmos um dia desemaranhar a nossa vi

Eles sobrevivem em nós

Uma citação de Didi-Huberman fora do contexto: «[Elas] têm gestos muito, muito antigos, bem mais antigos do que elas próprias. Gestos que vêm de muito longe no tempo. Esses gestos são como os fósseis em movimento. Têm uma história muito longa - e muito inconsciente. Eles sobrevivem em nós .» Didi-Huberman não está a falar de As Filhas do Fogo , mas podia. Talvez sejam aqueles «gestos que vêm de muito longe» que me instigam a relacionar o filme com a tragédia antiga. Quer dizer, com a nossa tragédia.

Estamos perdidos

Straub dizia que se não fizesse filmes seria bombista. Pedro Costa faz as duas coisas ao mesmo tempo: fecha-se numa garagem com a sua pequena equipa durante meses a construir pacientemente um engenho fatal. Quando as imagens e o som são projectados, explode qualquer coisa dentro de nós. Oh!

Génesis e Apocalipse

Orlando Ribeiro: Os tremores de terra e as erupções vulcânicas revelam um mundo ainda em formação e colocam às vezes gerações humanas em presença de um ambiente, raro no globo, que ao mesmo tempo tem qualquer coisa de Génesis e de Apocalipse, evocando portanto os medonhos cataclismos que, na imaginação dos homens, acompanham as grandes transformações da face da Terra.
Quando percebi que partilhavam o título, fiz uma pesquisa, mas só encontrei uma relação ténue entre As Filhas do Fogo de Gerárd de Nerval e as de Pedro Costa. As ligações a Rivette são mais evidentes; por isso e porque gosto de me meter por caminhos secundários, resgatei o livro do armazém — sabe-se lá onde vamos dar. Por sorte, é um daqueles livrinhos bonitos da estampa com papel azul e capa negra (de março de 1997), traduzido pela magnânima-e-sempre-viva Luiza Neto Jorge. Custou três euros e vinte cêntimos, deve ser mais ou menos o equivalente a café e umas águas na esplanada.
Apesar de não saber nada do filme, desconfio que o sítio apropriado para ver As Filhas do Fogo é o teatro de marionetas de Awaji, do livro de Tanizaki.