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Começamos a saber o que é a solidão quando escutamos o silêncio das coisas. Então compreendemos o segredo enterrado na pedra e revelado na planta, o ritmo oculto ou visível da Natureza toda inteira. O mistério da solidão deriva do facto de para ela não existirem criaturas inanimadas. Cada objecto tem a sua linguagem, que deciframos graças a silêncios incomparáveis. Lágrimas e Santos, Emil Cioran. Edições 70, novembro 2022. 

Lágrimas e Santos

Restaurante Lacrimi și Sfinți . Strada Șepcari 16, București.
Simone Boué : (…) Anos mais tarde, Sanda Stolojan começou a traduzir Lágrimas e Santos  e vinha com muita frequência cá a casa, trazia o seu texto. Cioran exigia que eu estivesse presente, e eu, eu estava muito infeliz porque embora normalmente Cioran fosse simpático, afável, cortês, quando se tratava da escrita, de um texto, já não tinha essa gentileza. Dizia: é preciso cortar, isto não presta. Lembro-me de  Sanda a chegar, entrava e perguntava: «que mais vai cortar hoje»? Parece que a versão francesa de Lágrimas e Santos representa cerca de um terço do texto romeno. Sanda escreveu um prefácio para se defender, e Cioran decidiu reescrever algumas páginas, de modo a não termos a impressão de ler um texto traduzido do romeno; é principalmente o escritor francês que encontramos nesta versão. Recentemente, li a tradução em inglês e fiquei impressionada, o inglês presta-se mais à tradução do romeno, é menos rígido, e depois há essa profusão, esse lado barroco do estilo de Cioran ...

O abeto

Assim como alguns se lembram de forma precisa da data do seu primeiro ataque de asma, eu posso indicar o momento do meu primeiro acesso de tédio aos cinco anos. Mas para quê? Sempre me entediei muito. Lembro-me de certas tardes em Sibiu; quando estava sozinho em casa, atirava-me para o chão sob o efeito de um vazio intolerável. Era adolescente, o que quer dizer que vivia mais intensamente os humores negros que por vezes enlutavam a minha infância feliz. Terrível tédio generalizado , em Berlim, em Dresden sobretudo, depois em Paris, sem esquecer o meu ano em Brasov quando escrevi Lacrimi si Sfinti —  Jenny Acterian disse-me que era o livro mais triste já escrito.  Neva. Penso naquele inverno (1937?) quando escrevia Lacrimi si Sfinti em Brasov — bem no alto da colina (Livada Postii) de onde tinha vista para as montanhas. Que solidão! Foi o ponto culminante da minha carreira de aborto elegíaco.  De novo esta vontade de chorar que experimentei em Brasov, quando escrevia Lac...

Dia de todos os santos

Como Sanda Stolojan explica no prefácio, as lágrimas são uma presença constante na escrita de Cioran. Mais do que um fluido fisiológico, respondem a uma dor profunda e antiga — remontam a muito antes do seu nascimento nos Cárpatos, atrevo-me até a dizer que surgiram com o pecado original. Cioran transporta esse mal-estar primordial e essas lágrimas obsessivas como um fardo histórico mas também como alento (?) para pensar o desespero da condição humana. Em relação aos santos, importa fazer o mesmo exercício de abstracção e recuo: se as lágrimas são a consequência de uma tristeza constante colada à pele, os santos vêm de um sentimento religioso vigoroso mas sem destino; integram no seu âmago simultaneamente um desejo intenso (ou uma saudade?) de ligação a qualquer coisa, como é da sua natureza, e uma solidão sem saída — que desatino! Apesar do que escreve a tradutora e também o filósofo (quando se refere a Lágrimas e Santos, Cioran gosta de sublinhar que as lágrimas ocupam um e...

Prefácio a “Lágrimas e Santos”

Nas suas Entrevistas com Chestov , Benjamin Fondane cita uma frase de Chestov que diz que a melhor maneira de filosofar é “andar sozinho”, sem tomar outro filósofo como guia; melhor ainda é falar de si mesmo. Fondade acrescenta mais adiante: “o tipo do novo filósofo é o pensador privado, Job sentado sobre o seu esterco”. Cioran pertence a essa raça de pensadores. Durante muito tempo ignorado, lido apenas por marginais.  Se os seus paradoxos ou as suas piruetas divertem ou irritam alguns dos seus leitores, outros — os verdadeiros — experimentam uma estranha sensação de euforia à beira do abismo, como essa jovem libanesa que lia Cioran sob os bombardeamentos, numa cave em Beirute, pois achava o seu espírito estimulante e o seu humor um tónico no meio do desastre. Ou como aquela japonesa que, querendo matar-se, descobriu a tempo as palavras de Cioran sobre o suicídio e começou a escrever-lhe. A felicidade de uma obsessão partilhada transformou o pesadelo numa conversa epistolar....