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O castigo de Adão

Para o crítico profissional (já fui um deles), ir ao teatro é o castigo de Adão. A peça é o mal que ele é pago para suportar com o suor de seu rosto: quanto mais depressa terminar, melhor. Isto parece colocá-lo em irreconciliável oposição ao frequentador de teatro que paga, e para quem quanto mais longa a peça, tanto mais entretenimento recebe em troca do seu dinheiro.  (...) Pois em Londres os críticos são amparados por considerável número de pessoas que vão ao teatro como muitos outros vão à Igreja: para exibir suas melhores roupas e compará-las com as dos outros; para estar em dia com a moda e para ter algum assunto nos jantares de gala; para admirar um actor favorito; para passar a noite em qualquer parte, menos em casa; em suma, por qualquer motivo ou por todos os motivos, excepto interesse na arte dramática em si. (...) Assim, das poltronas e da imprensa ergue-se uma atmosfera de hipocrisia. Ninguém diz com franqueza que o teatro verdadeiro é uma grande maçada e exigir das pesso

O público

Novembro de 1962. O crítico de teatro Carlos Porto, a propósito da encenação de As Bruxas de Salém , no Teatro Nacional D. Maria II, queixa-se do público: «Rir quando num palco se vivem momentos de tragédia, não é digno do público de uma capital.» Nenhuma destas palavras envelheceu um segundo. O riso nas plateias continua a pontuar as cenas mais trágicas. E o público da capital continua a ser, sem sombra de dúvida, o mais sofisticado do país. Imagine-se a onda de gargalhadas que As Bruxas de Salém não desencadeariam num teatro de São Pedro da Cova. Felizmente, não há teatros em São Pedro da Cova.

Bruxaria

Os Mummers de St. Louis eram jovens profissionais. (...) Quase todos trabalhavam em outro emprego além do teatro. Tinham que fazê-lo, já que não ganhavam nada com teatro. Eram trabalhadores. Eram balconistas. Eram garçonetes. Eram estudantes. Havia prostitutas e vagabundas e tinha até uma pós-debutante que era membro da Liga Júnior de St. Louis. Muitos eram bons atores. Muitos não eram. Alguns não sabiam nem mesmo representar, mas o que faltava em habilidade, Holland [o director do grupo] os insuflava com entusiasmo. Creio que aquilo tudo só acontecia por bruxaria! Era como uma definição daquilo que penso que o teatro é. Algo selvagem, excitante, algo que você não está acostumado a ver. Excêntrico é a palavra. Tennessee Williams.  Tradução de Luiza Jatobá.

Máscara

Os jornais dão conta de que o uso de máscara vai ser obrigatório em múltiplas situações. É impossível não pensar no teatro. De um momento para o outro, somos forçados a usar máscara para continuar a desempenhar o nosso papel na grande representação do mundo. O teatro já não imita a vida. É a vida que imita o teatro. DUQUE SÉNIOR Bem vês que não estamos sós no infortúnio: Este teatro imenso e universal Tem representações mais lastimáveis que a cena Em que entramos. JAQUES O mundo é um palco E todos os homens e mulheres simples actores: Têm as suas saídas e entradas, E, em vida, um só homem tem vários papéis (...). Shakespeare, Como vos aprouver. Tradução de Fátima Vieira.

Sexta e sábado

Wen Hui e Jana Svobodová , no Campo Alegre, e Renata Portas , na Baixa. Em dois dias, sexta e sábado, dois espectáculos raros e exemplares. No teatro, o que se poupa em meios, ganha-se em ideias. O que se poupa em pirotecnia, ganha-se em sensibilidade e clareza. Uma palavra e um gesto num espaço vazio têm a força de um incêndio. Uma história comum, contada olhos nos olhos, tem mais pernas para correr o mundo.

Mas, na manhã seguinte

(Depois dos espargos, do folar de azeitonas, do salmão fumado e do vinho do Douro — fórmula petisco improvisado — não me apeteceu trabalhar. Sentei-me na varanda a aproveitar o sol e a ler mais umas páginas d’ O Leão de Belfort e agora já sei demasiado, pelo que vai ser difícil defender a crítica a uma obra baseada apenas num parágrafo. Vou tentar não fugir do risco. Dentro do possível.) A questão geográfica. No excerto referido é apenas o parêntesis (ou seja, a Paris), a Rue Lemercier e o bairro de Batignolles, mas isso basta para prevermos (o plural define os leitores habituais do Alexandre Andrade) deambulações várias pela cidade, viagens de metro e autocarro. E, num salto completamente bem executado, a geografia mistura-se com a arquitectura, e entramos nas casas quase sempre pequenas e alugadas, nos quartos, nos corredores e escadas. É uma espécie de guia, mas ao contrário, em que o objectivo principal (a esperança, diria até) é desviar-nos do caminho certo. Ou, pelo menos, enc