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A mostrar mensagens de agosto, 2016

Isso só não chega

Estamos presos na nossa época como num pequeno lugarejo - vigiados por todos os lados, sempre nas bocas do mundo, toda a gente se conhece e mete o nariz na vida alheia - não há fuga possível. Chega-se às vezes a um ponto que só saindo da nossa época. (...) Mas se isso fosse possível, talvez acabasse uma coisa: a mania das grandezas própria de todas as épocas. O mundo está cheio de provincianos do tempo, de gente que nunca saiu da sua época, que nunca viu outra coisa que não os seus míseros setenta anos. Relatos de viagem já eles leram, ou seja, compêndios de História - mas isso só não chega. Que bem lhes faria se deixassem os ventos do tempo zunir-lhes aos ouvidos. Kurt Tucholsky, Hoje entre ontem e amanhã . Tradução de Renato Correia.

Adivinhas

Quem é, quem é? Dramaturgo, prosador, ensaísta, crítico austríaco e bêbado trimestral, nascido em 1863. Quem é, quem é? Torneiro de profissão, um dos fundadores e mais importantes dirigentes do movimento social-democrata sueco, católico e dono de um tapete persa. Quem é, quem é? Almirante na 1.ª Guerra Mundial e comandante supremo da Marinha francesa, de 1920 a 1924. Nasceu em Marselha, a 13 de Julho de 1866, com umas ventas enormes. Quem é, quem é? Homem de estado italiano, advogado e jornalista. Várias vezes primeiro-ministro e ministro em quase todos os governos, entre 1956 e 1973. Não se sentava em poltronas. Quem é, quem é? Cabelo cortado à escovinha, olhos míopes e barriga em forma de pêra. Membro da DVP, destacou-se na defesa da «lenda da punhalada nas costas».

P.

L. imagina P. sob o aspecto de um homem baixo e loiro, com um bigode de foca, um chapeu de côco demasiado pequeno e uma sobrecasaca fora de moda que abotoa e desabotoa continuamente. D. imagina-o como um senhor grave com enormes bigodes pretos. Seja como for, ambos estão errados.

Breve esclarecimento sobre as árvores

É sabido que, de todos os seres que habitam o planeta, as árvores são os mais reservados, sensíveis e esquivos. Não existem outros iguais, nem sequer parecidos. Para o provar, basta lembrar o limitadíssimo número de humanos que conseguiu observar duas árvores a fazer amor. Para além de mim, apenas mais três ou quatro pessoas, incluindo, segundo creio, Mozart*. Os seus transportes amorosos são regidos pelo mais profundo segredo. As árvores têm um faro muito apurado e nem por um só instante se deixam surpreender. Armadas de infinita paciência, esperam durante anos pelo momento certo para gozarem tranquilamente os doces prazeres, em dias de pesado e denso nevoeiro. O tema tem sido, por isso, campo fértil para a imaginação e a fantasia, existindo teorias para todos os gostos, algumas das quais bastante engenhosas e extraordinárias. Para esgotar duma vez este assunto e desembaraçar-me dele para sempre, vou descrever os factos tal como os testemunhei, deixando aos leitores o encargo de for

Oh, my stomach, my stomach.

Two chairs were placed side by side in the middle of the room. There the heroes were seated while the partisans ranged themselves right and left, waiting for the wits to sparkle and flash. Joyce said, ‘I’ve headaches every day. My eyes are terrible.’ Proust replied, ‘My poor stomach. What am I going to do? It’s killing me. In fact, I must leave at once.’ ‘I’m in the same situation,’ replied Joyce. ‘If I can find someone to take me by the arm. Goodbye!’ ‘Charmé,’ said Proust. ‘Oh, my stomach, my stomach.’ William Carlos Williams.

Espíritos cultivados

Um espírito cultivado como esse não tem verdadeiramente interesse para mim. Admiro-o, aprecio tous les soins et les peines que foram necessários para o produzir - mas deixa-me fria. Afinal de contas, a aventura está terminada. Agora já não resta nada a fazer senão podar, aparar, ligar as ramadas - e todos estes labores são um pouco deprimentes. Não, não, os espíritos que amo devem conservar ainda certos cantos selvagens, a desordem de um pomar onde os sombrios abrunhos roxos chovem sobre a erva pesada, um pequeno bosque crescendo ao abandono, a possibilidade de uma cobra ou duas (cobras verdadeiras…), um lago a que ninguém sondou a profundidade e atalhos, atalhos recamados dessas pequenas flores plantadas pelo espírito… É necessário também que tenha esconderijos verdadeiros e não menos artificiais, belvederes ou labirintos. Nunca encontrei um espírito cultivado que não tivesse alamedas arborizadas. E eu detesto, abomino as alamedas arborizadas. Katherine Mansfield, Diário . Traduçã

Atum, cachucho e cavala

António Maria de Oliveira Bello (OLLEBOMA), Culinária Portuguesa , Edição do Autor, Lisboa, S.d.