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Aforismos há muitos

Agudeza , de acordo com Baltasar Gracián, é uma boa definição; ampla, com óptimas vistas. Brian Dillon aproveita o lance e escreve:  o aforismo é antes de mais algo afiado ou aguçado, aplicado com violência — mas esta violência não pode ser definitiva, tem de ser repetida uma e outra vez . Entretanto lembrei-me d’ O Vespão de Peruca e ocorreu-me ferroada . De acordo com o dicionário: picada com ferrão, mas também censura picante ou sátira. Tem qualquer coisa de wit —  podia ser usada em exclusivo pelos ingleses, como um chapéu de Ascot. Ainda tenho outra proposta, mas esta é demasiado jocosa, quase uma greguería. Apanhei-a por causa do que Cioran escreveu sobre a importância da comida em França. Aqui fica em jeito de homenagem ao filósofo, à língua e a outras delicadezas francesas:  amuse-bouche ou, melhor ainda, amuse-gueule . Um aperitivo oferecido que se come de uma só dentada. (Claro que transformar um entretém de boca numa tomada de posição filosófica não é pa...

O chapéu

surge logo no segundo parágrafo e estende-se até ao nono. É verde e púrpura. Tem um aspecto desconchavado. Avança no conto como um som baixo e grave — que é o que costuma acontecer às peças de roupa quando desempenham papéis perturbantes na literatura. A mãe de Julian não vê nada de ridículo no chapéu. Pelo contrário, usar um chapéu assim — um pouco mais caro mas, por isso mesmo, distinto — e luvas é uma marcação social, diz aos outros que ela é alguém  (uma Chestny) e sabe quem é ( se tiveres consciência de quem és, podes ir seja onde for ). O chapéu é um estandarte da sua dignidade imaginária , sublinha Flannery O’Connor. O chapéu desdobra-se na missão. A frase que a empregada da loja usou para convencer a mãe de Julian a comprá-lo — com esse chapéu, não vai andar por aí igual às outras — aparece em duas conjugações quase seguidas. Apesar da tradução do Rogério Casanova me agradar mais do que a da Clara Pinto Correia, é preciso recorrer à expressão original — you won't meet...

Divertimento com chapéu verde e púrpura

Comecei com “Tudo o que sobe deve convergir”. Li o conto que dá nome ao livro, uma edição de 2006 da Cavalo de Ferro, traduzido por Clara Pinto Correia. Depois descobri a tradução, mais recente, de Rogério Casanova para a Relógio d’Água . No confronto das duas versões apercebi-me de uma frase muito discordante e fui procurar o original . A este ritmo, nem o lay off chega para me divertir a sério com a Flannery O’Connor. Ah, em “Tudo o que sobe deve convergir” o humor é o chapéu. (...) O chapéu era novo e custara sete dólares e meio. Ela não parava de dizer «Se calhar não devia ter gasto tanto dinheiro. Não, não devia. Vou devolvê‐lo amanhã. Nunca devia tê‐lo comprado.» Julian ergueu os olhos para o céu. «Não, claro que fez bem em comprá‐lo», disse. «Agora ponha‐o na cabeça e vamos embora.» Era um chapéu hediondo. A aba de veludo púrpura, dobrada para baixo de um dos lados, arrebitava do outro; o resto era verde e com o aspeto de uma almofada vazia. Decidiu que era menos cómic...

Este quadro é um prazer para os olhos

Mãos. Carantonhas (na mesa e cadeira). Taça com abóbora, maçãs, flores e folhas. Gansos. Chapéus extraordinários. Todos estes elementos dão ao quadro um ambiente tão festivo e alegre que, em vez de uma cena religiosa, diria que estamos a ver um musical. Mais uns segundos e começam todos a dançar e a cantar.