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A mostrar mensagens com a etiqueta Regina Guimarães

¿Qué te pasa?

A Regina Guimarães pode estar entretida com o seu bordado, mas mal levanta a voz percebemos que é uma verdadeira amazona: tem arco, cavalo e as suas palavras não se desfazem no ar.  Ontem, na sessão d' O Espírito da Colmeia , entre muitas coisas certeiras, ela disse que Isabel é uma personagem buñueliana.  Entusiasmada com a ideia, fiz uma ligação particular a Ema de Manoel de Oliveira (talvez por influência da casa ) e, de repente, o filme de Erice ganhou um novo movimento dialéctico.

Uma espécie de emprego, uma escola ideal.

(...) Este mês de junho, a Cinemateca tem estado a passar os filmes da Regina Guimarães e do Saguenail: filmes que são só uma parte da prática deles de viverem ao mesmo tempo (ou de viverem o mesmo tempo) estes anos todos. Ora: estando no Porto, não pude ir a nenhuma sessão. (E a Regina não pôde vir conversar com a Odete, como faz todos os anos.) Mas vi que eles programaram, por entre os seus filmes, outros, de outras pessoas: filmes que conversam com os deles, que os provocaram. Acho que entretanto aprendi (também com eles, que programam filmes há anos e anos) que ver filmes, e vê-los como quem investiga um crime, é uma espécie de emprego: em que nos pagam em imagens e em faltas de ar. Por isso, quando penso em como seria a minha escola ideal (em que eu seria professor e aluno), só consigo pensar em algo deste género. Um lugar onde alguém (onde toda a gente) partilha (generosa, entusiasticamente) os seus amores, esperando que, ao partilhá-los, o entusiasmo por eles cresça: até não cab...

Uma máquina em movimento

Cristina Fernandes: Num possível alinhamento dos seus filmes, Regina Guimarães e Saguenail apontaram um bloco a que deram o nome de Casas Ruas Cidades . É uma das formas mais convidativas para entrar na obra destes dois cineastas. Tem qualquer coisa de passagem arquitectónica e, sem dúvida, sempre, de político, no sentido grego da palavra. A sequência marca o percurso destes dois extravagantes-livres que trabalham juntos e com cumplicidade há anos, principalmente no Porto. (...) Rui Manuel Amaral: (...) Quando penso na obra de Regina Guimarães e Saguenail ocorre-me justamente a imagem de uma máquina em movimento. Uma estranha máquina de filmar-escrever tomada por essa «espécie de febre». Com paragens em cada filme e em cada livro, mas paragens breves porque há sempre mais caminho a fazer. Uma máquina em «Movimento Perpétuo», para usar o título de um poema do Caderno do Regresso (2010). E aqui retomo a ideia do jogo de espelhos entre cinema e poesia. A máquina Regina-Saguenail n...

Regina e Saguenail

— Tenho um bocado de medo de me ver ao espelho , sempre tive. Ao mesmo tempo, fascinam-me os fenómenos especulares, nomeadamente as montras das lojas. Gosto dos espelhos quando eles nos devolvem sombras, quando nos devolvem presenças fantasmáticas – que é o que nós somos e nas montras se expressa perfeitamente.  — O pai do meu padrasto, isto é, o segundo marido da minha mãe, era um “poeta menor” do movimento surrealista, mas fez-me conhecer a poesia dos maiores. Conhecer e apreciar. E depois encontrei a Regina. Por isso, a poesia é, direta ou indiretamente, a nossa única, verdadeira, safa, inclusive porque há outra safa mais acessível, que é o humor, e a poesia não é nada incompatível com o humor.

Saguenail e Regina

Os filmes de Saguenail são marcados por um forte experimentalismo formal, todos eles tratados preciosos sobre a possibilidade e o limite da “linguagem” cinematográfica – são filmes que perguntam o que é e o que pode essa linguagem.  (...) não sendo objetos diarísticos, os seus filmes estão ligados ao seu corpo, à sua presença e passagem pelos lugares, aos seus encontros, respondem-lhes, de um modo explosivo (explodem com as formas convencionais). Fazem na prática o que Regina defende quando escreve ou fala sobre cinema: reclamam um espaço para o rascunho na criação cinematográfica.
À laia de posfácio, Regina Guimarães encerra a antologia com um poema de sua lavra, uma homenagem em que coloca Koltz a par de Michaux ou Bernhard entre esses nomes cintilantes que dariam sentido a uma ideia de Europa se esta “teimasse em existir”. Poetas teimosamente indigestos, que desde logo se esforçam por abrir “caminho aos leitores mais improváveis”,

Lembro-me

Lembro-me , de Joe Brainard, é um livro genial. Se tivesse de o definir através de uma imagem, recorreria ao papel que a Regina Guimarães filmou no atelier de Ângelo de Sousa, pouco depois da morte do artista, em 2011. Estava fixado num painel, entre outros papéis, como um lembrete, e dizia: «Fazer as rectas ligeiramente curvas.»   

O espelho

Um homem medonho entra e olha-se ao espelho. «Porque é que o senhor se olha ao espelho já que só com desprazer se pode lá ver?» O homem medonho responde-me: «Senhor, segundo os imortais princípios de 89, todos os homens são iguais em direitos, logo tenho o direito de me mirar. Com prazer ou desprazer, isso só à minha consciência diz respeito.» Em nome do bom senso, eu estava sem dúvida certo. Mas do ponto de vista da lei, ele não deixava de ter razão. Charles Baudelaire, Embriagai-vos | Antologia de poemas em prosa de autores franceses. Tradução de Regina Guimarães. Em co-edição (FLOP) até 11 de Outubro. Para ser co-editor é só seguir o link.

Pois bem, seja!

O homem e eu, enclausurados dentro dos limites da nossa inteligência como amiúde um lago dentro de uma cintura de ilhas de coral, em lugar de unirmos as nossas forças respectivas para nos defendermos contra o acaso e o infortúnio, afastamo-nos, estremecendo de ódio, optando por duas estradas opostas, como se nos tivéssemos ferido reciprocamente com a ponta de uma adaga! Dir-se-ia que cada um compreende o desprezo que inspira ao outro: empurrados pelo móbil de uma dignidade relativa, esforçamo-nos por não induzir em erro o nosso adversário – cada um fica do seu lado e não ignora que a paz proclamada seria impossível de manter. Pois bem, seja!  Isidore Ducasse, Cantos de Maldoror: Canto IV, Estrofe I .  Tradução de Regina Guimarães. Em breve, numa edição FLOP .

Folha em branco

Numa entrevista ao Jornal de Notícias , Regina Guimarães diz que não sente a angústia da folha em branco. Escreve em qualquer parte e em qualquer circunstância. Sou mais como Alfreda, do Espelho Mágico : passo os dias à espera de um milagre que nunca acontece.

Liquidação

E ainda a propósito do sentido das palavras : Somos feitos de palavras. São o nosso limite e ilimite. Ético. Estético. Político. Com elas nos exprimimos, atrás delas nos escondemos. São mentira reveladora, verdade tímida, meia verdade. Carregam a nossa impotência e embriagam-nos com o seu poder. Apesar da omnipresença das imagens, as palavras passaram a ser o suporte mais forte da pós-verdade. A par das fake news , que inundam a cena política, o recurso ao fake knowledge , amiúde assente no name dropping , tem vindo a vulgarizar-se a ponto de haver quem defenda, com falsa candura, que tudo é o que é e o seu contrário. Só assim se explica que proibir pretensamente signifique permitir que alguém se coíba... (...) Repare-se, por exemplo, na utilização pelos programadores dos Teatros Municipais do termo “ocupar” (1000 razões de ocupar o teatro) que, remetendo para factos ocorridos num passado assaz recente – a saber: a luta contra a privatização da gestão do Rivoli –, aposta no seu t...

Formação Académica

Mauri, diminutivo de Maurício, frequentou o curso da prestigiosa Centrale sem se distinguir em nenhum domínio. Não aprendeu nada e foi nomeado engenheiro. Quando saiu da escola entrou para o bordel. Quando saiu do bordel, quis voltar a entrar.  Princesa Sapho, O Tutu . Tradução de Regina Guimarães.

O lápis de barba azul

ora o livro ora o lápis ora a libação a orelha dorme debaixo das almofadas feitas para asfixiar os gritos do futuro ora o livro ora a oração cada passo significa um traço rasurado noutro mapa mais ingénuo mas o risco da correcção reside precisamente na chamada da atenção para o que já esteve escrito para a escrita do que lá estava. Regina Guimarães, Caderno dos atalhos e dos becos , p. 73.