Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens com a etiqueta Fausto

Pobres Faustos involuntários

No filme de Ildikó Enyedi, O meu século XX , Thomas Edison é um personagem tristonho, abatido e deslocado. A impressão é a de que as suas ideias e invenções, causa de fama e fortuna, são uma maldição que se abateu sobre ele. Edison parece lamentar o papel que lhe coube no destino da humanidade. Quase conseguimos ouvi-lo dizer, como Bartleby, «I would prefer not to». De certa forma, este personagem de Enyedi lembra os modernos cientistas «arrependidos» de Silicon Valley, celebridades que se fartam de publicar best sellers e dar entrevistas sobre os riscos catastróficos das redes sociais e da inteligência artificial.

Ultrapassagem

Ontem à noite vi A Ultrapassagem , de Dino Risi, na televisão. É um filme notável sobre um diabo e um jovem Fausto a voarem num descapotável, pelas estradas de Itália, a 120 km/h. Alguma moral a reter nesta história? Nenhuma. O diabo e o jovem, Vittorio Gassman e Jean-Louis Trintignant, assumem os seus papéis sem subterfúgios nem equívocos. Conhecem-se desde o princípio dos tempos. Um produz magias, o outro paga para ver.

O Fausto de Meyrink

« Tirando as lunetas, viu diante de si um homem nu, que só trazia uma pele de animal em torno dos rins; uma personagem de alta estatura, de pele morena, espantosamente magro, que tinha colocada na cabeça uma mitra negra, sobre a qual se acendiam partículas de ouro. O médico da Corte percebeu imediatamente que se tratava de Lúcifer , mas não se sentiu nada surpreendido, porquanto, intimamente, havia já muito tempo que esperava por aquela aparição. - Tu és o homem que pode realizar todos os desejos? - perguntou-lhe, inclinando-se voluntariamente. - Podes também...? - Sim, eu sou o deus em cujas mãos os homens entregam os seus desejos - interrompeu o fantasma, indicando a pele que lhe cingia os rins. - Entre todos os deuses, sou o único que usa cinto: os outros são assexuados. Só eu posso compreender os desejos. Aquele que é verdadeiramente assexuado esqueceu para sempre o que são desejos. A mais profunda raiz de todo o desejo, seja ele qual for, raiz impossível de descobrir, repousa

Mais adiante!

É nas últimas sequências do filme de Aleksandr Sokurov que Fausto  revela toda a amplitude do seu incontrolável desejo de superação. Nada é suficiente, nada o satisfaz, «fervilha nele a febre da distância» (Goethe, v. 303). MEFISTÓFELES (Mauricius): Fizemos um pacto. Eu fiz tudo o que prometi, mas tu… FAUSTO: Não é suficiente para mim. Valho mais do que isso. MEFISTÓFELES: Que mais queres? Outro sol? Outro homúnculo? Dois, talvez? FAUSTO: Não é suficiente para mim! A ambição de Fausto não conhece limites. O Diabo é apenas um instrumento — como, de resto, também Margarida — da cega avidez deste «pequeno deus do mundo». Na verdade, Fausto assassina o Diabo, lapidando-o: o símbolo máximo do pecado morre sob as pedras lançadas pelo maior dos pecadores. A sequência anterior ao assassínio de Mefistófeles, junta os dois personagens diante de um géiser. É o momento crucial do filme. O ponto onde o velho mundo e a modernidade se separam irremediavelmente. Onde acaba o mistério e começ

Explorados, alienados, exaustos, miseráveis

Há qualquer coisa de faustiano neste drama [ O fim das possibilidades , de Jean-Pierre Sarrazac] em vários níveis, qualquer coisa que nos faz pensar não tanto no Fausto de Goethe como no do compositor Hanns Eisler, também ele autor de um Johann Faustus (1952), no qual Mefisto relata a Deus um marasmo de tal ordem que os homens, explorados, alienados, exaustos, miseráveis, não dispõem já de meios para cometer os pecados capitais. David Lescot.

Chá e biscoitos de amêndoa

Conta-se que certa noite o Diabo apareceu a Fausto. O Diabo, criatura espiritualíssima, astuciosa, mestre em assuntos sombrios e chantage, queria por força vender a alma a Fausto. E pelos vistos não a vendia cara. Mas não sou especialista em assuntos de mercado e, por isso, como se costuma dizer, faço questão de manter um certo recato. Fausto sentou-se na sua cadeira de bruços e durante alguns minutos não fez mais nada senão coçar o nariz. Um relógio distante bateu meia-noite e meia. O candeeiro lampejava no tecto como um olho enorme e misterioso. No telhado, um gato fez brilhar as suas garras. A Fausto nem sequer lhe passava pela cabeça investir algum do seu precioso cabedal na aquisição de uma alma, mesmo tratando-se da alma do Diabo, coisa rara e inestimável, suponho eu, que não sou especialista, e também supunha Fausto. Houve um momento de silêncio, que se prolongou por várias horas. Estou a encurtar muito, senão nunca mais acabava. - Hum! – murmurou Fausto, olhando o fumo do se