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A mostrar mensagens com a etiqueta Anne Carson

O romancista e os seus amantes

Há algo paradoxal nas relações entre um romancista e os seus amantes. Enquanto escritor, sabe que a sua história tem de acabar e quer que ela acabe. Também nós, enquanto leitores, sabemos que o romance tem de acabar e queremos que acabe. «Mas ainda não!», dizem os leitores ao escritor. «Mas ainda não!», diz o escritor ao seu herói e à sua heroína. «Mas ainda não!», diz quem é amado a quem ama. E assim o alcance do desejo continua. Anne Carson, Eros. Amargo e Doce . Tradução de Tatiana Faia.

A maçã voa enquanto permanece parada

Carson nota um verso no qual uma maçã está suspensa na árvore; o verbo para a “suspensão” é epeteto , que vem de petomai , o verbo “voar”. Geralmente é usado “para criaturas com asas ou para emoções que atravessam o coração”, ligado à “emoção erótica”, usado por Safo no fragmento 31 para dizer que eros “dá asas ao meu coração” ou “faz meu coração voar”. No trecho analisado por Carson – do romancista Longo, autor de Dáfnis e Cloé , do século II d.C. –, o verbo está no imperfeito, ou seja, “paralisa a ação do verbo no tempo”, já que o imperfeito expressa continuidade, “para que, como a flecha no paradoxo de Zenão, a maçã voe enquanto permanece parada”.

Entre um corpo e a sua sombra

As palavras extraordinárias de Anne Carson sobre o trabalho de tradução: «A translator is someone trying to get in between a body and its shadow. Translating is a task of imitation that faces in two directions at once, for it must line itself up with the solid body of the original text and at the same time with the shadow of that text where it falls across another language. Shadows fall and move.»

Pequena palestra sobre Kafka sobre Hölderlin

«Não consigo manter os meus sonhos direitos.» Com essa queixa, Kafka queria dizer  mantê-los numa linha recta do princípio ao fim . Os seus sonhos estavam inclinados a voltar-se sobre si mesmos; por exemplo, o sonho de Hölderlin. Kafka sonhou que Hölderlin ardia «Finalmente acabaste por pegar fogo». Kafka começou a apagar o fogo com um casaco velho. Agora começa o desvio. «Afinal, era eu quem estava a arder.» Aqui o desvio colide consigo mesmo. «E fui eu quem bateu no fogo com um casaco.» Finalmente, o desvio desfaz-se num desespero racional, mas também neurótico. «Bater não ajudou e apenas confirmou o meu medo antigo de que tais coisas não conseguem extinguir um incêndio.» Eu mesma, eu acho os palíndromos sombrios — avançam como se fossem desvelar uma sabedoria, e eis-nos de novo, encolhidos no fundo da caverna. E não era Kafka quem sonhava em nadar pela Europa com Hölderlin, rio a rio? Lá vão eles, mas logo a razão instala-se. «Eu sei nadar como os outros, só que tenho uma memóri...