Sexta-feira. Passaram sete dias desde os primeiros sintomas. Hoje termina o meu período de isolamento. Dois anos de teletrabalho, dois confinamentos gerais e sete dias de isolamento profilático. Estou exausto. Os nervos doentes. O pó sobre a mesa é uma afronta mortal que o mundo me faz. A mancha de humidade na casa de banho é um insulto . A fenda minúscula no tecto do quarto um capricho truculento que a natureza usa para me atormentar. Tento romper o isolamento com livros, sacudir o ar envenenado de casa com revistas atrasadas. Depois do trabalho, leio, leio, leio. Mas não consigo reter uma palavra. Não compreendo nada. Neblina, fumo. Está tudo em ponto morto. Preciso de caminhar. Preciso urgentemente de me servir dos pés para andar. A minha seita é a dos fanáticos de Walser, não a dos fiéis de Proust.
de Cristina Fernandes e Rui Manuel Amaral