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A mostrar mensagens com a etiqueta Oh - a poesia!

O sopro revolucionário

Marguerite Duras: (...) Acredito na utopia política, quer dizer, acredito profundamente no movimento de Allende que é talvez a coisa mais importante que aconteceu desde 17, juntamente com os primeiros momentos, os primeiros anos de Cuba. É a utopia que faz avançar as ideias de esquerda, mesmo que falhe. 68 falhou, e isso foi um avanço fantástico para a ideia de esquerda, aquilo a que durante muito tempo se chamou exigência comunista, mas que na conjuntura actual já não significa rigorosamente nada. Só se pode fazer isso.... Tentar umas coisas, mesmo se são feitas para falhar. Mesmo falhadas, são as únicas que fazem avançar o espírito revolucionário. Como a poesia faz avançar o amor. Está tudo ligado. Não há poesia — verdadeira — que não seja revolucionária. Quando Baudelaire fala dos amantes, do desejo, está no auge do sopro revolucionário. Quando os membros do Comité Central falam da revolução, é pornografia. O Camião ( entrevista com Michelle Porte) , de  Marguerite Duras.

Wenn dan der Erde Grün von neuem Euch erglänzt

É magnífico como Hölderlin transforma o alemão numa língua musical e leve (Straub talvez dissesse «arejada»). Agora os poetas não ligam muito a essa qualidade, mas ainda é uma das grandezas da poesia.  Pessanha faz isso com o português. E em Para Comigo ( reunião da sua poesia tal como a pretende preservar ), Joaquim Manuel Magalhães tem poemas que são verdadeiras ruínas de ruínas (é só pó e pedras), mas outros surgem quase como cantilenas e são belos e têm essa alegria sem afectação que só se encontra na natureza.

Zazie

Fiquei admirada por não terem convidado a minha gata para nenhuma palestra da Feira do Livro. Ela é, como se costuma dizer, especialista na poesia de Manuel António Pina e tem ideias muito interessantes sobre a relação entre versos e garras, deuses e bárbaros. E por aí fora.

Que história é esta da poesia?

Num dos seus encontros, ao vasculhar nos papéis de Alicia, o Puto descobre que ela escreve poesia ( O Passageiro , página 316). Quase de certeza que Cormac não nos vai mostrar nem um verso. É um fora de campo brilhante porque nos desinquieta como uma picada.

Aquilo que ainda sobra

Cioran passa o tempo a ler. Tento seguir as referências que surgem nos Cadernos mas, como não tenho a vida dele, não o consigo acompanhar. Noutro dia vi Tonio Kröger na Biblioteca e lembrei-me desta anotação: «Tudo o que sou, o pouco que valho, devo à extrema timidez da minha adolescência. O meu lado Tonio Kröger .»  O livro é muito trabalhado, quase que se ouve a cabeça de Thomas Mann a escolher as palavras, a balançá-las — tudo isso. Apesar de alicerces extremamente sólidos, é divertido. Por exemplo tem dois punctums muito estimulantes: a flor campestre na lapela do pai de Tonio ou o cigano num carro verde que só vemos dentro da cabeça de Tonio, talvez por ele próprio ser escritor; a cena com o polícia que o toma por um ladrão em fuga para a Dinamarca e que começa com tons de Kafka e acaba como uma comédia portuguesa dos anos 30 ou 40 com a palavra provas a fazer ricochete também é muito cómica; ou até mesmo a conversa instrutiva no atelier de Lisaveta Ivanovna — bom, era ...

Oh — a poesia!

Exercício prático n° 1: defender a poesia de uma forma oposta; quer dizer, livrá-la dos seus protectores, deixar que escape aos afagos que entorpecem, que fuja pela janela ou pelas traseiras. Para onde quiser ir — até mesmo para o raio que a parta.

Atalhos à la Emily Dickinson

Emily Dickinson: I felt a funeral in my brain (Senti um funeral no meu cérebro), podia acrescentar como Madame de Lespinasse “em todos os momentos da minha vida”. Funerais perpétuos do espírito.  Há meses que vivo todos os momentos de angústia na companhia de Emily Dickinson.  Trocava todos os poetas por Emily Dickinson.  Desde o meu antigo entusiasmo (agora já ultrapassado) por Rilke, nunca me apeguei tanto a um poeta como a Emily Dickinson. O seu mundo, que me é familiar, sê-lo-ia ainda mais se tivesse a audácia e a energia de me consagrar completamente à solidão. Mas falhei demasiadas vezes, por covardia, frivolidade ou talvez medo. Esquivei-me a mais de um abismo, por cálculo e instinto de preservação. Pois falta-me coragem para ser poeta. É por ter pensado demasiado nos meus gritos? Os raciocínios fizeram-me perder o melhor de mim mesmo.  Deus, “o nosso velho vizinho”, como lhe chama Emily Dickinson.  Yeats — depois de Emily Dickinson, podia acreditar que ...

Desvios

«A poesia de Dickinson é marcada por uma peculiar gramaticalidade: inserção forçada de plurais, posições sintácticas invertidas, ou, muitas vezes, desrespeito pelos géneros, pelas pessoas ou pelas concordâncias verbais. É ainda necessário destacar da linguagem de Dickinson não só os desvios sintáctico-formais, mas ainda os desvios semânticos internos, aqueles que sustentam, pela ruptura, a arquitectura dos seus textos poéticos e que resultam numa linguagem críptica, compacta, plena de elipses, traduzida em textos que desafiam a tradição da poesia enquanto comunicação e oferecem à linguagem literária um lugar de destaque e autonomia mais próximo da estética que informa a poesia moderna. Excessiva, em relação ao seu tempo; excessiva, mesmo em relação ao nosso, pela opacidade de leitura e apreensão e pelas temáticas envolvidas. “Uma linguagem altamente desviante que arrisca tudo”, como defende David Porter, pois, “na extrema elipse e transposição, desbasta a própria armadura do sentido”.»...

Fork

This strange thing must have crept  Right out of hell.  It resembles a bird’s foot  Worn around the cannibal’s neck.  As you hold it in your hand,  As you stab with it into a piece of meat, It is possible to imagine the rest of the bird:  Its head which like your fist  Is large, bald, beakless, and blind.  Charles Simic, Selected Early Poems (George Braziller Inc., 1999)
Bradar aos céus. Podia dia ser o título de uma colectânea de Emil Cioran. A meio caminho entre a poesia dos anjos caídos e a desafinação do death metal.

Observações avulsas sobre o bonfim #45

Ao passar pelo Minipreço de Barros Lima (uma das lojas mais nevrálgicas da zona), ocorreu-me que os poetas já não vivem por cima do Minipreço . A frase podia ser o título de uma tese bastante estrábica sobre os caminhos (mansos?) da poesia contemporânea, ou sobre a estratificação social das cidades, ou sobre o comércio em geral.

Latência

Depois da pista do fundo do mar para defender a literatura, acho que as peripécias do rotífero bdelóide  são boas para analisar o caso específico da poesia.