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A mostrar mensagens com a etiqueta Ucrânia

Barba e cabelo

Leio no jornal que o novo comandante militar russo na Ucrânia, Valeri Guerasimov, elegeu como uma das prioridades a higiene e a apresentação física dos soldados que combatem no terreno, incluindo o tamanho da barba e do cabelo. A sensação é a de que estamos a assistir a uma representação dos Últimos Dias da Humanidade , de Karl Kraus. Uma nova «leitura» ou «actualização», como se diz no teatro. E não é preciso «actualizar» demasiado.

Deplorável atentado do estado russo contra a iniciativa privada

Leio no jornal que a tomada da cidade ucraniana de Soledar foi reivindicada pelo administrador do grupo de segurança privada Wagner. A declaração surgiu depois de um comunicado em que o Ministério da Defesa russo anunciava a tomada da cidade pelo exército regular. Em resposta, «o líder do Wagner, Ievgeni Prigojin, denunciou as tentativas de “roubar a vitória” à sua empresa por parte do aparelho militar russo» .

Certezas

Um rinoceronte a tecer observações sobre uma escultura de Brancusi. A ideia é de Cortázar e surge num certo livro a propósito de outra coisa. É exactamente assim que me sinto. Um paquiderme desesperado a tentar formar alguma ideia mais ou menos firme sobre estes dias sombrios. Gostava de ter as mesmas certezas dos comentadores das televisões. As mesmas opiniões sólidas, sem margem para dúvidas, dos cronistas de jornal. Não, não gostava. Ter certezas é muito pior.

Petróleo

Na televisão, uma mulher em fuga cai junto à berma de uma estrada. A mulher cai uma vez, cai duas vezes, cai três vezes. Um tipo está sentado no estúdio a comentar. Diz qualquer coisa sobre petróleo. A realização repete a imagem em loop . A mulher cai quatro vezes, cinco vezes, seis vezes. O tipo continua a dizer qualquer coisa sobre petróleo. A mulher cai sete, oito, nove, dez vezes. O tipo fala sobre petróleo. A mulher cai onze vezes, doze vezes, treze, catorze, quinze vezes. Petróleo. Dezasseis, dezassete, dezoito. O tipo fala de petróleo.

Anoitece

Leio nos jornais que cidadãos europeus negros, africanos, de origem asiática e do médio oriente que tentam fugir aos tanques de Putin são barrados na fronteira por soldados ucranianos: primeiro passam os brancos. Do outro lado da fronteira, na Polónia, os mesmos refugiados são alvo de ataques xenófobos e racistas por parte de nacionalistas polacos: «segundo a polícia polaca, os agressores, vestidos de preto, agrediram grupos de refugiados não brancos, nomeadamente estudantes que tinham acabado de chegar à estação de comboios de Przemyśl.» Em Portugal, cidadãos russos são alvo de ameaças e actos de descriminação, que «chegam em forma de telefonemas, mensagens de texto ou comentários nas redes sociais». Nas televisões, os repórteres que acompanham a vaga de refugiados não se cansam de repetir que os ucranianos são «pessoas como nós», usam as mesmas roupas, os mesmos telemóveis, os mesmos carros. Não são afegãos, sírios, iraquianos ou sudaneses a fugirem em botes pelo Mediterrâneo. São «i

Guerra

Leio o que posso sobre a invasão da Ucrânia pelas tropas do governo russo e não consigo compreender. Quem ganha com esta guerra? E ganha o quê? Quem perde, sabemo-lo bem: os sempiternos perdedores, os pobres da Ucrânia, da Rússia e de toda a parte, os que não têm meios para se defender das agressões do mundo. Mas o que ganham exactamente os «vencedores»? Trata-se somente de somar mais poder e dinheiro? Se é só uma questão de poder e dinheiro, não consigo compreender. Ou há mais alguma coisa? Provar que se pode desafiar directamente a morte? Ter nas mãos o destino de um número infindável de pessoas? Ser-se deus? Jogar com a nossa estranha atracção pelo fim do mundo?

Extraterrestres

Ontem à noite vi na televisão Viva la Vie , um dos filmes esquecidos de Claude Lelouch. Estava cansado e sem vontade de fazer nada. O filme não é grande coisa. Uma história dentro de outra história, e ambas dentro de um sonho. Ou o contrário. Não sei bem. Não é isso que interessa. O filme passa-se em plena guerra fria. Os ricos constroem abrigos nucleares nas piscinas. Os criados compram fatos de borracha para se protegerem das radiações. No sonho de um dos personagens (Michel Piccoli), a guerra nuclear é evitada através de um simulacro que envolve seres alienígenas: os extraterrestres não estão interessados em explorar um planeta inviável, sem seres humanos e carregado de radiação. Entretanto, na Ucrânia os «esforços diplomáticos» não deram em nada. Nos jornais, a guerra parece «inevitável». Os «enviados especiais» das televisões ao teatro dos acontecimentos estão a fazer o seu trabalho em «condições muito difíceis». Quem nos salva disto? Quem nos protege da humanidade? Onde estão os