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A mostrar mensagens com a etiqueta Godard

Espérer, plus d'espérance

Quando vi Le Livre d’image pela primeira vez (2018), achei-o um bocado distante, duro e fugidio; um objecto exigente que se dirigia apenas à cabeça. Na altura não soube, ou não quis, interpretar essa impressão. Mas a exposição do Fabrice Aragno no Palácio Sinel de Cordes (2023) emocionou-me tanto que fiquei baralhada. Ontem percebi o conflito: o filme de Godard é um pensamento em acção que passa a grande velocidade — um comboio-bala que não conseguimos acompanhar, que nos olha do futuro (qual distância brechtiana, qual quê!) A exposição Éloge de l’image – Le Livre d’image , pelo contrário, era uma espécie de acampamento onde nos podíamos sentar e chorar como Mouchette.

Para Anne-Marie Miéville e para mim mesmo

Também podemos pensar nas História(s) do Cinema como cartas de amor (para Mary Meeerson e para Monica Tegelaar, para John Cassavetes e para Glauber Rocha, 
para Armand J. Cauliez e para Santiago Alvarez
, para Michèle Firk e para Nicole Ladmiral, para Gianni Amico e para James Agee
, para Frédéric C. Froeschel e para Nahum Kleiman
, para Michel Delahaye e para Jean Domarchi, para Anne-Marie Miéville e para mim mesmo).

Visões

Há um triângulo equilátero (ou uma pirâmide?) em História(s) do Cinema: o vértice A é o «(s)»; os segmentos A-B e A-C são «História»; e o segmento B-C é «Cinema».
Tirando os problemas técnicos (Serralves não tem capacidade de rede para projectar ficheiros sem saltos no som?) e o final abrupto sem qualquer tipo de diálogo, a conferência de Nicole Brenez sobre as conferências de Godard no Conservatório de Arte Cinematográfica em Montreal e o subsequente livro Introdução a uma Verdadeira História do Cinema foi muito interessante. Nicole ofereceu-nos o resultados das suas minuciosas pesquisas sem qualquer tipo de afectação — parecia uma jovem detective excitada com as suas descobertas dotada de um discurso amoroso e inteligente que agarra logo. Em relação à edição do livro (e sabemos como os livros são cruciais na vida do cineasta-historiador), Nicole contou dois factos importantes. Godard escolheu uma pequena editora (éditions Albatros, fundada em 1970 sobre a égide da palavra «liberdade») e não, por exemplo, os Cahiers du Cinéma apesar de na altura até estar de boas relações com a sua equipa editorial. Houve uma primeira tiragem (em 1980:...

Um gesto de amor

A forma de encarar o contraponto, proposta por Schönberg, não como uma técnica musical que desenvolve, mas movimento que desemaranha, pode ser um bom ponto de partida para analisar as História(s) do Cinema . A matéria do projecto de Godard é tão desmesurada que podemos passar a vida a pesar, medir, confrontar o que vemos, ouvimos, fica na sombra. Escrever páginas e páginas de relatórios. Dar em loucos.  

As relações entre homens e mulheres nos séc. 20/1

O cinema está cheio de imagens de relações dinâmicas entre homens e mulheres. Três exemplos transnacionais: nos filmes de Naruse, andar com alguém significa, antes de mais, andar ao lado de alguém ao longo das ruas e caminhos; Godard transforma o acto de ir para a cama num jogo de palavras e pensamentos (a riqueza da linguagem!); em Hong Sang-soo, os homens e as mulheres passam a maior parte do tempo à mesa, a comer, a beber e a conversar sobre coisas corriqueiras — tudo é graça.

Faire le lit

Há um pequeno raccord doméstico entre A mãe e a puta e Adeus à Linguagem .  No filme de Eustache, Jean-Pierre Léaud diz e põe em acção: «os filmes servem para aprender a viver, servem para fazer a cama».  No segmento 2 — a metáfora do filme de Godard, Ivitch e Marcus estão na cama e tentam enfiar o edredão dentro da capa. (Já nem me lembro do que dizem, só guardei os gestos bruscos.) Gostava de ver uma montagem de todas as cenas homem-mulher-cama dos filmes de Godard. Na tal sala de cinema clandestina Junto à estação de comboios (um pequeno balcão para beber chá ou saké, um cão ou dois, o corredor escuro, cadeiras vermelho coçado).

La mirada de John Wayne

Em «Simetrias — os 5 actos nos filmes de John Ford», Paulino Viota elogia os textos de Javier Marías sobre o realizador americano. Como estou sempre na disposição de me desviar do caminho traçado, fui procurá-los. O que Marías escreveu sobre o olhar de John Wayne depois de beijar Maureen O’Hara no cemitério é formidável ( El reino de la posibilidad , El País Semanal, 16 de março de 2014) . Eles estão encharcados pela chuva e colados um ao outro e apaixonados, sim. Mas há uma certa gravidade nos olhos de Wayne — como se tivesse encontrado e perdido não se sabe o quê nesse preciso instante —, qualquer coisa que é quase uma tristeza ( uma tristeza doce , diria Walser). Através desse olhar, percebemos como são complicadas as relações entre homens e mulheres. Como nos filmes Passion , de Godard. Ou em Onde Jaz o teu Sorriso? , quando Danièle (que é uma verdadeira mulher de Ford, como todas queremos ser) diz: Sicilia! ... se nos apaixonámos e nos apeteceu fazer o filme foi po...
Deixar de confiar nos milhares de ditames do alfabeto para podermos restituir liberdade às incessantes metamorfoses e metáforas de uma verdadeira linguagem regressando aos locais de filmagem do passado tendo em conta os tempos actuais.  As últimas notas escritas por Godard também são sobre As Filhas do Fogo .

A Barcelona

Retrospectiva i cartablanca a Paulino Viota:   Las ferias,  José Luis,   Tiempo de busca, Fin de un invierno,  Duración, Contactos,  Con uñas y dientes,  Cuerpo a cuerpo,  (P. Viota) Der Bräutigam, die Komödiantin und der Zuhälter  (Danièlle Huillet i Jean-Marie Straub) Staroie i novoe (S. Eisenstein) Hatari! (Howard Hawks) The Sun Shines Bright (John Ford) Roma (F. Fellini) Bande à part (Jean-Luc Godard)

Três em linha

Quarteto de cordas (no meio do Atlântico)

Escrevi um texto para os Encontros de Cinema do Fundão em que me aproximo dos filmes de Huillet, Straub, Godard e Costa através da música. Os textos que escrevo não são términos, ficam sempre a meio do caminho para outra coisa; e agora que ando a ler o livro de Jacques Rancière sobre (os quartos de) Pedro Costa, principalmente nas conversas com Cyril Neyrat, percebi que mais do que leviandade ou teimosia, o meu gesto tinha um desígnio escondido.  Na verdade, fiz o que fiz também para evitar um olhar demasiado preso às imagens e significados. Pedro Costa é bom, é mesmo muito bom, a construir imagens simultaneamente perturbadoras e belas e eu queria libertar um pouco os seus filmes de tanta interpretação estética. Porque nós somos assim: mal vemos uma imagem, parecemos polícias ou psicanalistas, levantamos um inquérito e queremos saber o que é que ela significa. As garrafas verdes cheias de pó junto à janela passam a ser una natureza morta (ou um plano-almofada?) que é preciso diss...
Les troupes d'occupation s'inquiètent d'un mutisme qu'elles ont elles-memes engendré; on devine une insaisissable volonté de silence, un secret tournant, omniprésent; les riches se sentent traqués au milieu des pauvres qui se taisent; embarrasses de leur propre puissance, les «forces de l'ordre» ne peuvent rien opposer aux guérillas, sinon le ratissage et les expéditions de représailles, rien au terrorisme, sinon la terreur. Quelque chose esta caché en tout lieu et par tous; il faut faire parler .  La torture est une vaine furie, née de la peur : on veut arracher d’un gosier, au milieu des cris et des vomissements de sang, le secret de tous . Inutile violence : que la victime parle ou qu’elle meure sous les coups, l’innombrable secret est ailleurs, hors de portée; le bourreau se change en Sisyphe : il applique la question, il lui faudra recommencer toujours.  Même silence, pourtant, même cette peur, même ces dangers toujours invisibles et toujours présents ne peuve...

A trombeta de Gabriel

Num dos textos que escreveu para o Curso de Crítica de Cinema do Batalha , Inês Sapeta Dias fala de programação como se fosse (também) um tipo de montagem que manobra, não ao nível dos planos e das sequências, mas na justaposição de filmes — uma espécie de movimento macroscópico. Apesar de exterior, trata-se de um gesto extremamente poderoso que qualquer um (?) pode fazer desde que se afaste um pouco (quem explica bem este grau de medida incerto-mas-importantíssimo é Agamben). Mesmo quando se trata de uma carta aberta para enquadramento das suas próprias obras, os cineastas agem como alguém que vê de fora, como um programador que acredita que é possível estabelecer diálogo entre trabalhos diversos e que esse diálogo pode alterar o modo como daí para a frente passamos a ver esses filmes e que isso também é cinema. Inês refere que passou a pensar nos filmes de Jean-Claude Rousseau de outra forma depois de os ter visto ao lado d' O Anjo Exterminador : apesar de nos darmos con...

Quelque chose entre

Como uma godardiana sindicalizada, preparei-me para a sessão e, em vez de dupla, foi uma santa trindade: Une bonne à tout faire  (em casa) , Passion e Scénario du film Passion  (em Serralves) . — Est-ce que la vie n’a pas à voir avec cette Sainte Trinité : l’amour le travail et quelque chose entre les deux ?  E ainda, em vez de apresentações e moderações institucionais   (porque é que esta gente tem sempre o aspecto de terem  « comprado tudo o que havia de Ludwig Wittgenstein, para se ocuparem de Ludwig  Wittgenstein  nos próximos tempos» ?) , ideias vagas, as imagens reais antes das histórias: o avião em linha oblíqua sobre o jardim, os gritos das pegas rabudas, a menina da limpeza a subir as escadas com esfregonas e um balde azul, a menina da bilheteira a fazer jogos comigo, o portão fechado à saída. Basta traçar um risco.  C’est ça, la passion pour Godard .

Uma história próxima, que corre a passos precipitados.

A História está cheia de episódios caricatos. A vitória de Trump graças ao atentado de ontem é apenas mais um.  Agora os democratas precisavam de uma audácia de fera encurralada, mas desconfio que não conhecem nenhuma dessas três palavras. 
 
É nos anos oitenta que começa o Godard de que mais gosto (tem a ver com Anne-Marie Miéville). Prénom: Carmen , de 1983, é já uma espécie de música, uma música do pensamento? Compreende-se com o corpo. — Oui, monsieur Jeannot, il faut fermer les yeux au lieu de les ouvrir

Selfie XIV

Os protocolos oficiais aborrecem-me, mas gosto de criar pequenos protocolos pessoais que passam despercebidos. Por isso e apesar de não estar frio, vou levar o meu cachecol vermelho para a sessão de Kommunisten . É um gesto mais ou menos entre o cepticismo de Godard e John Wayne num filme do Ford. Cada um segue os modelos que pode.