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A mostrar mensagens com a etiqueta Olga Tokarczuk

Costuras

Ontem li «Costuras», de Olga Tokarczuk (tradução de Teresa Fernandes Swiatkiewicz, edição da Cavalo de Ferro), entre o Campo 24 de Agosto e Matosinhos Sul, de manhã bem cedo. A viagem de metro é mais longa do que o conto (dez páginas e oito linhas), passei o resto do percurso a olhar pela janela para tentar alhear-me da história e enfrentar um dia de trabalho banal. Continuava, porém, a ver as costuras das meias, a cor acastanhada da tinta das esferográficas, a forma dos selos. Aqueles objectos tomaram a vez dos pensamentos, alastravam pela cabeça criando uma tremenda inquietação material. Conseguia, não compreender (nunca ninguém consegue), mas pressentir o desassossego de B.  No regresso, ao fim da tarde, voltei a ler o conto e tirei as dúvidas: é dos tais, dos que nos encostam à parede, dos que não nos largam mais.  A tradução inglesa (de Jennifer Croft) pode ser lida aqui .

Onde crescem os citrinos

Primeiro a biblioteca prolongou a entrega dos livros 15 dias, agora o prazo é indefinido: quando as coisas voltarem ao normal funcionamento . Mesmo assim, com tanto tempo disponível, tive de me obrigar a acabar as “Viagens” de Olga Tokarczuk. Fiz alguns sublinhados, mas não consegui desenvolver uma ideia íntegra da obra. De repente, a literatura parece uma tarefa desproporcionada. Características do Peregrino Certo amigo de longa data confessou-me que não gostava de viajar sozinho porque, quando via algo invulgar, novo ou belo, queria partilhar essa experiência com outra pessoa e sentia-se muito infeliz se não tinha ninguém com quem o fazer. Em minha opinião, uma pessoa assim não serve para peregrino. (Página 144) Acrescento apenas que, contrariamente ao mestre, van Horssen não tem jeito para o desenho. É um anatomista que contrata um desenhador profissional para cada uma das suas autópsias. O seu método de trabalho consiste em apontamentos rigorosos, tão pormenorizados que, qu...

The weather in Wrocław is almost summery

From my window, I can see a white mulberry, a tree I’m fascinated by—one of the reasons I decided to live where I live. The mulberry is a generous plant—all spring and all summer it offers dozens of avian families its sweet and healthful fruits. Right now, the mulberry hasn’t got back its leaves, and so I see a stretch of quiet street, rarely traversed by people on their way to the park. The weather in Wrocław is almost summery: a blinding sun, blue sky, clean air. Today, as I was walking my dog, I saw two magpies chasing an owl from their nest. At a remove of just a couple of feet, the owl and I gazed into each other’s eyes. Animals, too, seem to be waiting expectantly, wondering what’s going to happen next. (...) By Olga Tokarczuk, The New Yorker, April 8, 2020

Orientação a partir de Cioran

Outro homem, tímido e gentil, quando viajava em serviço, levava sempre consigo um livro de Cioran, um daqueles com textos muito breves. Já no hotel, guardava-o na mesa-de-cabeceira e, mal acordava, abria-o ao acaso e, assim, encontrava o lema para o dia que começava. Aliás, ele era de opinião que, na Europa, os exemplares da Bíblia existentes nos hotéis deviam ser substituídos quanto antes por livros de Cioran — desde a Roménia até à França — porque, no que toca a vaticínios, a Bíblia já perdera a sua actualidade. Que ganhamos nós se, por exemplo, incautamente nos calhar o seguinte verseto numa sexta-feira de Abril ou numa quarta-feira de Dezembro? “Todos os utensílios destinados aos serviços do santuário, todas as suas cavilhas, e todas as cavilhas do átrio serão de cobre” [Ex 27-19]. Como é que haveríamos de interpretar este texto? Aliás, ele próprio reconhecia que os livros não tinham de ser forçosamente de Cioran e, olhando com ar de desafio, sugeriu: — Faça o favor de me propor o...

Açougue

; a escrita não precisa de penas de ganso, nem de criolinas sob as saias, nem de máscaras venezianas que tanto lhe associamos mas, isso sim, de aventais de açougueiro, botas de borracha e, na mão, uma faca para estripar. Viagens, de Olga Tokarczuk, página 17. Tradução de Teresa Fernandes Swiatkiewicz (com pequena alteração). Cavalo de Ferro,