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A mostrar mensagens com a etiqueta Fernando Pessoa

Energia e fluidos

Abro os Poemas de Álvaro de Campos (Pessoa), e deparo com "Seja o que for, era melhor não ter nascido".  Quoi qu’il en soit, mieux valait n’être pas né . Na tradução de uma carta de Pessoa, o tradutor emprega a expressão "crise psíquica". Devia ser: “crise moral", pois não se trata de um desânimo qualquer, mas de uma revisão da sua atitude para com os seus semelhantes. Em Pessoa, é quase a crise de Tolstói. Uma crise de ordem moral, portanto. Emil Cioran, Cadernos, janeiro de 1970 e janeiro de 1969

Corcunda

Passei o fim-de-semana à janela. Uma corcunda está a irromper, pouco a pouco, nas minhas costas. Em breve, serei outro. O meu nome mudará para Maria José . E tudo o que farei é escrever uma carta de amor ao serralheiro, cujo fantasma continua a passar todos os dias lá em baixo, na rua vazia.

Deixem-nos lá

Os do Orfeu são apenas simuladores. É evidente que quem quizer ser estravagante tem de se assemelhar aos loucos. O terreno comum onde se encontram é o disparate. Em França, com os romanticos, sucedeu um pouco o mesmo. Para escandalizarem a susceptibilidade burgueza, passaram a andar vestidos de côres berrantes, de maneira diferente de todos. Baudelaire um dia (...) teve a excentricidade de pintar os cabelos de verde. Os amigos, que já estavam prevenidos, não fizeram caso. Baudelaire, que queria causar impressão, ficou fulo por não lhe ligarem importancia. E tratou logo de rapar o cabelo á escovinha (...). É evidente que estas creaturas não são absolutamente equilibradas. Mas também não é justo chamar-lhes doidos. Deixem-nos lá. Júlio de Matos, jornal A Lucta , 11 de Abril de 1915. Citado por Jerónimo Pizarro em Fernando Pessoa: entre génio e loucura , p. 209.

Mais polícias do que manifestantes

Fernando Pessoa transformou-se num monstro tocado pelo gigantismo. Há dezenas, centenas, milhares, de académicos a estudá-lo, de trás para a frente e de frente para trás, de baixo para cima e de cima para baixo, com lentes atómicas, pinças, bisturis, raios x. Cada papel, cada linha, cada palavra, cada risco. Pergunto-me se a «academia» não terá raptado Pessoa e mergulhado o monstro em formol. Existirão simples leitores de Pessoa? Existirão leitores capazes de se emocionar com os textos sem pensar nas costuras? Por vezes, a obra de Pessoa faz lembrar uma daquelas manifestações em que há mais polícias do que manifestantes.