A morte é uma ocorrência vulgar, talvez a mais vulgar que podemos conhecer. A sua natureza rasteira não se deixa apanhar por raciocínios intelectuais ou palavras engenhosas. O nevoeiro filmado por Carpenter está mais perto da sensação da morte do que o jogo de xadrez de Bergman.
Revi ontem à noite Identificação de uma Mulher , no ciclo dedicado a Antonioni. Não é um dos meus filmes. Mas a longa sequência do nevoeiro é inesquecível. O nevoeiro e aquela coisa estranha que aparece entre os ramos de uma árvore. Não é um fruto, não é um ninho, não é um bicho. O que é? Uma coisa viva, uma coisa morta? Ninguém sabe. Somos como o personagem do cineasta Niccolo. Mesmo em dias limpos, não vemos um palmo à frente do nariz e o que vemos nem sempre tem explicação.
Nevoeiro, nevoeiro, nevoeiro. Onde antes existia uma casa, uma árvore, uma rua, existe agora uma nuvem. Avança-se por intuição, às apalpadelas. Como os personagens do Macbeth de Kurosawa. O caminho era por ali. Era?
Nunca o Porto pareceu tão dickensiano como por estes dias. Não é só o nevoeiro, denso e frio, que transforma tudo em espectros. Não é só o ar sonâmbulo dos transeuntes a caminho do trabalho. É também a vaga sensação de ameaça que paira por toda a parte.