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Um jogo para desfrutar

Uma pessoa lê um texto da Agustina. É um exemplo. Uma coisa curtinha como Cave Canem , escrito em 1968 (tinha ela 46 anos). São duas páginas. A pessoa lê e conclui, mais uma vez, que nunca passará de um aprendiz de feiticeiro. O que resta? A pessoa lembra-se daquele conselho que os treinadores de futebol das equipas pequenas e remediadas dão aos jogadores antes de um desafio com uma equipa de milionários: «É um jogo para desfrutar.» É um bom conselho para o eterno aprendiz de feiticeiro: «Desfruta.» Não é pouco.

Escrita

Um plano de La Belle Journée , de Ginette Lavigne: do outro lado de um vidro meio fosco, vêem-se umas mãos a matar e a esfolar um coelho; em off , ouve-se o escritor Christian Prigent explicar o seu método de escrita. O coelho debate-se durante algum tempo. É um bicho pequeno e muito branco, como uma folha limpa.

Nós somos de confiança

- Então, Armando, conta lá, o que é que estás a escrever agora? A temida pergunta acabou por chegar. Já tinham terminado a refeição e encontravam-se na sala de estar da residência barranquina, a tomar café. Pela janela entreaberta via-se o farol do molhe e a névoa invernal, que subia das falésias. - Não te faças desentendido - insistiu Óscar. - Já sei que os escritores às vezes não gostam de falar do que estão a fazer. Mas nós somos de confiança. Dá-nos essa primazia. Armando pigarreou, olhou para Berta como que dando a entender que os amigos estavam a ser inoportunos, mas, acendendo o cigarro, decidiu-se finalmente a responder. - Estou a escrever um conto sobre a infidelidade. O tema não é muito original, como sabem. Já se escreveu tanto sobre a infidelidade! O Vermelho e o Negro , por exemplo, ou Madame Bovary e Anna Karénina , para citar apenas duas obras-primas... Mas eu sinto-me atraído justamente pelo que não é original, pelo vulgar, pelo já trilhado... A este respeito, interpret

Açougue

; a escrita não precisa de penas de ganso, nem de criolinas sob as saias, nem de máscaras venezianas que tanto lhe associamos mas, isso sim, de aventais de açougueiro, botas de borracha e, na mão, uma faca para estripar. Viagens, de Olga Tokarczuk, página 17. Tradução de Teresa Fernandes Swiatkiewicz (com pequena alteração). Cavalo de Ferro,

Fora de água

Todos os dias, atravesso o rio para trabalhar. Que peixes, que fantasmas, que monstros se escondem sob as águas? Toda a escrita é uma tentativa de decifração. Mil vezes empreendida, mil vezes falhada. Mas é a única maneira de não nos afundarmos no vazio. De continuarmos a respirar fora de água.

Ladrão que rouba a ladrão

Quando não há nada para escrever, nenhum motivo, nenhuma ideia, o que fazer? A resposta clássica é: escrever sobre o facto de não existir nada, nenhum motivo, nenhuma ideia, para escrever. Roberto Arlt , como qualquer escritor que viva de escrever crónicas para os jornais (espécie em extinção), era um especialista nessa nobílissima arte de «encher chouriços»: Às vezes, quando estou aborrecido e me lembro de que num café que conheço se reúnem alguns senhores que trabalham como ladrões, encaminho-me até lá para escutar histórias interessantes. E a partir daqui já nada o fará parar.