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Admirou qualquer coisa, esticou-se e morreu.

As lições de George Saunders sobre os contos russos que fazem parte do livro «Nadar num lago à chuva» são porreiras. Ele é um tipo cheio de ideias (não só literárias, sorte nossa) e consegue manter nas aulas um discurso que é aparentado aos seus contos, pelo menos tem o mesmo sentido de humor e outra coisa que não sei dizer bem o que é, mas que me atrai sempre e muito. Já estou na análise do último conto, «Aliocha, o Pote », de Lev Tolstói, e confesso que fiquei espantada por achar esta história a mais admirável de todas. Se tivesse que responder a um questionário prévio, nunca escolheria Tolstói como escritor (russo) preferido e mesmo depois de ler a pequena narrativa e apesar de me dar conta da sua extrema resistência (como se diz dos materiais) ao entendimento, ainda não sabia da sua importância. Mas as dúvidas que Saunders levanta obrigaram-me a reler e a investigar. Foi a ambiguidade que Tolstói reservou para o final da história e da vida de Aliocha que provocou todo este alvoro...

Ervilha debaixo do colchão

Também podia abrir um Gabinete de Investigações Literárias  — na verdade não me faltam ideias para negócios sem prosperidade. Mal comecei a ler Geada , de Thomas Bernhard, fiquei logo com vontade de descobrir qual é o livro de Henry James que o jovem estagiário de medicina levou para Weng. Em vez do livro de Koltz sobre as doenças do cérebro, mais apropriado às circunstâncias da sua missão, ele preferiu Henry James — porquê? E trata-se mesmo de uma decisão sua, enquanto personagem e narrador, ou é uma partida de Bernhard? Sobre o Pascal do pintor Strauch não tenho dúvidas, é um livro qualquer, quer dizer, todos. Além disso é possessivo: é o Pascal do pintor Strauch .  Agora o Henry James não me sai da cabeça. Às vezes acho que é “A fera na selva”, a seguir percebo que só pode ser “O desenho no tapete”, depois volto à estaca zero: nem fera nem desenho, é outra coisa.

Uma ervilha debaixo do colchão

Há uns anos tentei explicar, pelo menos a mim mesma, porque gosto tanto de contos. Tem a ver com a duração, a intensidade contida e, acima de tudo, a forma de quebrar . Continua a ser assim, não mudo uma palavra. No entanto, ao reler o segundo conto de “Demasiada felicidade”, apercebi-me de outra coisa tão evidente que se torna invisível: como nas histórias infantis, Alice Munro coloca uma ervilha debaixo do nosso colchão logo no início. Quer dizer, a narrativa cresce em direcções opostas. Vamos conhecendo as personagens e as suas circunstâncias triviais; ao mesmo tempo, um pressentimento divergente insinua-se como uma sombra e agarra-nos sem descanso. Não é a tensão característica das novelas policiais — é pior, a ferida fica por resolver.