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A mostrar mensagens com a etiqueta Confinamento

Mais um Godot

Em vários momentos do Manual de Leitura * dedicado à nova encenação de À Espera de Godot , de Gábor Tompa, se sugere que a pandemia lançou uma nova luz sobre as peças de Samuel Beckett. É como se a insegurança e a solidão dos confinamentos nos tivessem empurrado para dentro de uma peça viva de Beckett. Percebo e concordo. Mas a verdade é que as peças de Beckett, e em especial  Godot , vão mais longe e mais fundo, muito para além de uma catástrofe circunstancial. Funcionam da mesma maneira que os grandes textos religiosos, as peças dos gregos ou de Shakespeare: são o nosso espelho de quarto. Mostram-nos como somos, antes de nos vestirmos, lavarmos, pentearmos. Reflectem a nossa catástrofe permanente. O que Beckett traz para o palco é, mais uma vez, o reconhecimento de que o riso é um meio de salvação. A vida são dois dias, como em Godot , e rir do nosso destino absurdo é a maneira de o suportar, de adiar mais um pouco a morte. * Não me canso de admirar estes maravilhosos manuais do Teat

A regra do jogo

Contaram-me que, durante a rodagem de A Regra do Jogo , nas vésperas da Guerra, Jean Renoir e a equipa tiveram de esperar quinze dias para filmar as cenas da caça. Durante esses quinze dias, de chuva ininterrupta, ficaram confinados perto do local das filmagens. A paragem mudou, de certa maneira, a vida de Renoir: o filme ultrapassou largamente o orçamento previsto, foi um fracasso comercial e o realizador endividou-se. O confinamento forçado da equipa em A Regra do Jogo transformou-se na pandemia particular de Jean Renoir. E entre as criaturas que tombaram na sequência da caça, também estava ele.

Páginas em branco

Um pouco por toda a cidade, multiplicam-se os suportes publicitários vazios. Altos tronos sem os seus tristes soberanos. Despidos da tralha publicitária, sem o brilho e a glória das novidades e promoções, lembram telas de cinema ou enormes páginas em branco. Agora, sim, vale a pena olhar para eles.

Ladrar aos pombos

O cão preso na varanda passa o dia a ladrar aos pombos e às gaivotas. Talvez o cão não se resigne com a ideia de que aquelas criaturas nasceram com asas e que consigam voar acima das varandas, acima dos telhados, para lá do horizonte. A ciência explica, mas sou como o cão.

Magnólia

De vez em quando, por entre o incansável barulho da chuva a bater nos vidros, consigo distinguir o delicado farfalhar da magnólia molhada. Em baixo, melros nervosos divagam por cima das raízes. Parecem muito ocupados com um pensamento importante. Que pensamento? O que sabem os melros que nós não sabemos?

Loop

Uns confinam, outros desconfinam. Os que desconfinam agora, confinarão mais tarde. Os que confinam hoje, desconfinarão amanhã. O vírus parece que vai e volta, mas na verdade não vai a lado nenhum. É como se estivéssemos a assistir em loop àquela cena de Ecce Bombo em que Michele Apicella, o personagem de Nanni Moretti, se despede várias vezes dos amigos, mas nunca chega a sair do lugar.

Tipos de confinamento: o confinamento beckettiano

Samuel Beckett, Endgame , por Tania Bruguera.

Fronteiras

Reabriram hoje as fronteiras entre Portugal e Espanha. Uma repórter da rádio foi a Badajoz ouvir alguns habitantes locais. Uma agente imobiliária diz que o confinamento foi excelente para o negócio: as pessoas não querem repetir a experiência de ficarem fechadas em casas pequenas, «sem varanda, jardim ou piscina». Na verdade, diz ela, não há casas com jardim e piscina suficientes para tão grande procura. Os clientes já não procuram um lugar para viver, mas um sítio para confinar bem.

Tipos de confinamento: o confinamento de classe

Jean Vigo, À propos de Nice , 1930.

Tipos de confinamento: o confinamento nas alturas

Luis Buñuel, Simão do Deserto , 1965.

Espaço

O confinamento e «Abril» , de Otar Iosseliani, provam várias coisas. A saber: bancos, cadeiras e cadeirões ocupam muito espaço. Os espelhos, as cristaleiras e os aparadores também. Mesas, secretárias e estantes exigem muito, muito espaço. Assim como os frigoríficos e os fogões. Os sofás são das coisas que ocupam mais espaço. Pequenos objectos, como pratos, copos, talheres, e pequenos electrodomésticos, como ventoinhas, aspiradores ou torradeiras, em conjunto, ocupam espaço a mais. O amor, a música e as árvores não ocupam espaço, mas definham em espaços demasiado preenchidos.